Na noite de 31 de dezembro de 2010, um show de mulatas no alto do morro marcou o primeiro Réveillon do Complexo do Alemão livre do domínio de traficantes de drogas. Com tanques de guerra, as Forças Armadas tinham retomado o conjunto de favelas da Zona Norte, considerado o “quartel-general” dos bandidos. Nos anos seguintes, a polícia reconquistou dezenas de outras áreas sob controle do tráfico e das milícias, incluindo a Rocinha, a maior favela do Brasil. Foi a grande virada da segurança pública fluminense. Isso é passado. As estatísticas divulgadas na semana passada mostram que o Rio de Janeiro retrocedeu seis anos. Piorou, a ponto de estar tão ruim quanto antes da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Os números ratificam uma volta aos tempos mais sangrentos. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), de janeiro a novembro de 2016 a polícia do Rio matou 815 pessoas em casos classificados como confrontos com bandidos no estado. Isso dá uma média de 74 homicídios por mês. Na comparação com o período anterior à retomada do Complexo do Alemão, entre janeiro e novembro de 2010, foram 800 mortes ou 72 mensais. A partir da ocupação de favelas mais violentas do Rio, o número de mortos em ação da polícia começou a despencar. Caiu para 523 em 2011; 419 em 2012 e 416 em 2013. Era o auge das UPPs.
O Rio com medo da volta do crime
Especialistas em segurança afirmam que a instalação das UPPs em 38 favelas cariocas reduziu a incidência de tiroteios com bandidos. Também apaziguou as facções que brigam por pontos de venda de drogas nas favelas, pois os morros estavam sob controle das unidades pacificadoras. Num efeito colateral, os homicídios cometidos pela PM caíram. A situação começou a retroceder em 2014. Traficantes de drogas e milicianos iniciaram uma guerrilha para retomar as favelas com UPPs. Os criminosos se aproveitavam do desgaste da PM, praticamente isolada no morro e sem ajuda de outros órgãos do governo. A credibilidade da pacificação sofrera um abalo após a morte do pedreiro Amarildo de Souza, torturado por policiais da unidade da Rocinha. O número de mortos pela polícia trilhou então uma curva ascendente. Subiu 39% em 2014, totalizando 584.
Os bandidos conseguiram ganhar territórios. Os comandantes das UPPs dividiram as favelas em áreas verdes, amarelas e vermelhas, de acordo com a incidência de tiroteios. As balas perdidas mataram inocentes, incluindo crianças, como o menino Eduardo de Jesus, de 10 anos, atingido na cabeça por tiro de fuzil disparado por um policial da UPP do Complexo do Alemão. O soldado disse que foi atacado por traficantes, revidou e sem querer acertou o menino. Em 2015, os homicídios em operações da polícia somaram 645 casos.
Nós todos contra o tráfico
Durante 2016, as unidades pacificadoras enfrentaram sua maior crise, agravada pela falta de investimento do governo e pela desmotivação da tropa. Só em novembro, a polícia matou 94 pessoas em todo o estado, sempre alegando legítima defesa. Essa versão é contestada por entidades de direitos humanos que reclamam da impunidade. Em agosto de 2015, a Anistia Internacional divulgou um relatório apontando que, de 220 inquéritos abertos para investigar mortes na cidade do Rio, apenas um resultou em denúncia à Justiça contra policiais.
Vida de PM no Rio: desprezados, doentes e com medo
As estatísticas mostram que também aumentaram as baixas na tropa: 36 policiais perderam a vida em serviço, de janeiro a novembro de 2016. São 56% a mais que no mesmo período de 2015, quando 23 morreram. Uma prova de que o tráfico e a polícia voltaram aos campos sangrentos de batalha é a quantidade de armas de guerra em circulação. Até novembro, a polícia apreendeu 328 fuzis, média de um por dia. Esta guerra é uma prova de que o Rio está perdendo.
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