Delegados baianos e a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) divergem sobre os procedimentos para realização de grampos e quebras de sigilo bancário no estado. A categoria questiona, desde novembro do ano passado, que os resultados dessas ferramentas de investigação têm sido “filtrados pela SSP”, comprometendo a independência do órgão e gerando perdas nas investigações.
A discussão retornou depois que a o Sindicato dos Delegados da Bahia (Adped) notificou o delegado-geral, Bernardino Brito, sobre a decisão, renovada por mais 60 dias desde a semana passada de não realizar pedidos de escutas à Justiça. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), em nota, ressaltou, no entanto, que os pedidos de interceptação continuam acontecendo normalmente.
O CORREIO conversou com quatro delegados, de diferentes departamentos da Polícia Civil, que afirmam que pessoas de fora da corporação estão tendo acesso as informações de processos que correm em segredo de justiça e que a independência da Polícia Civil é prejudicada com o modelo adotado pelo governo baiano.
Os delegados, responsáveis por investigar grupos de alta periculosidade, dizem ter medo de represália da secretaria e por isso pediram anonimato. Atualmente, depois que um juiz autoriza, as escutas são feitas pela Superintendência de Inteligência (SI) da SSP e depois encaminhadas para o delegado. Apenas a Polícia Judiciária e o Ministério Público podem, por lei, solicitar a quebra de sigilo telefônico.
Segundo os quatro delegados, a SSP atribui a responsabilidade das escutas até mesmo a contratados pelo Regime Especial de Direito Administrativo (Reda) e pessoas com cargo de confiança, sem vínculo. Policias civis e militares também trabalham na SI. A categoria diz que o formato pode comprometer a investigação de casos de corrupção, por exemplo.
“É o único estado em que um órgão político controla as interceptações. É a mesma coisa se deixassem a Operação Lava Jato (da Polícia Federal) sob os cuidados do ministro da Justiça. Como se combate corrupção desse jeito?”, questiona o delegado Fábio Lordello, presidente da Adped. Nacionalmente, se defende que a Polícia Federal deve manter-se independente do governo.
Segundo o sindicato, o formato de escuta prejudica a investigação. “Tem casos de, depois do deferimento do juiz, o conteúdo só chegar ao delegado três a quatro meses depois. É o tempo que uma carga de droga já passou pelo estado, que um homicídio que poderia ser evitado já ocorreu”, exemplifica Lordello.
Os delegados ouvidos pelo CORREIO também reforçam essas dificuldades, queixam-se de não acompanharem as escutas em tempo real e relataram que já houve casos em que a SSP interferiu no cumprimento de prisões, com base em escutas, antes mesmo do delegado que preside o inquérito ser informado. "Eu não me importei por outra pessoa ter prendido, mas a questão é que o delegado é quem tem que planejar operações, sabe a hora certa de agir", relata um delegado. "A SSP é um órgão de gestão, não é para executar a função da Polícia Judiciária", destaca outro.
Os delegados ouvidos pelo CORREIO dizem que apostavam que Bernardino, quando assumiu em fevereiro do ano passado, iria comprar a briga. "É um cara que veio da Polícia Judiciária, sabe da importância disso", afirmou um deles. "O que a gente vem percebendo é que a forma como a SI está se estruturando só afasta mais os delegados do controle das escutas", completou outro.
Os delegados ainda disseram que atribuir a função da escuta a terceiros amplia a exposição da profissão, já que os pedidos vão junto com os seus nomes. "O sigilo das informações é de responsabilidade do delegado que pede. Como vou ser responsável por algo que acontece em um prédio que se eu quiser acessar eu preciso pedir licença para entrar e onde os delegados não são bem vistos?", questiona uma delegada.
Outro lado
Procurada, a assessoria da SSP informou que foi decidido que apenas a Polícia Civil se posicionaria sobre as acusações do sindicato. Em nota, o delegado-geral da Polícia Civil, Bernardino Brito, informou que as interceptações funcionam no formato atual há 16 anos. “Estamos dentro da legalidade, atestado por parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e autorizado pela presidência do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)”, escreveu Brito.
A Policia Civil pretende judicializar a questão. “A insinuação de manipulação das informações coletadas nas interceptações para outros fins que não sejam os investigativos será analisada juridicamente”, informou a polícia em nota. Em sua defesa, o órgão informa que o modelo adotado é igual ao do Ministério Público Estadual da Bahia, que também teria um setor para realizar as escutas autorizados pela justiça.
Segundo Bernardino, as interceptações ocorrem sob a coordenação e condução dos delegados responsáveis pelas investigações que demandam este tipo de prática – cabe à SSP, nestes casos, apenas o serviço técnico de coleta das informações.
No site da SSP, a superintendência do setor é de responsabilidade do agente da Polícia Federal Rogério Magno de Almeida Medeiros, que assumiu a função em 2011 e foi um dos servidores condecorados com a “Medalha do Mérito da Segurança Pública” pelo governador Jaques Wagner, no final da sua gestão. Pelo organograma do órgão, enquanto as polícias e o Corpo de Bombeiro são órgãos em regime especial de administração, a SI é um braço do secretário e é classificada como parte da administração direta.
PCC x CV
Segundo o sindicato dos delegados (Adped), os delegados não têm feito pedidos de medidas cautelares de interceptação telefônica (grampos), telemática, informática e quebra de sigilos bancário e fiscal desde o dia 15 de setembro. De acordo com Lordello, grupos especializados da Polícia Civil são os que mais têm sido comprometidos com a suspensão. "Agora, com essa briga entre o PCC e CV que vai explodir, é algo que se pega com escutas e isso vai ficar prejudicado", exemplifica um dos delegados.
Por conta da gravidade, a associação diz que apenas os casos de sequestros não têm sofrido alterações. Os profissionais ouvidos pelo CORREIO estimam que um delegado de um departamento especializado dá andamento a pelo menos 20 inquéritos que envolvem escutas telefônicas por mês.
Já a Polícia Civil, em nota, informa que não houve alterações no fluxo de pedidos feitos pelos delegados, destacando inclusive um aumento no número de intercepções. Segundo o órgão, foram registrados, no último mês, mais de 80 novos processos de interceptações telefônicas, o que representa um aumento de 5% comparando o mesmo período do ano passado e de meses anteriores.
Reprodução: Correio 24 horas