Um mês após manifestantes serem detidos antes de um protesto em São Paulo contra o governo de Michel Temer (PMDB), o Ministério Público Estadual (MPE) apura se policiais agrediram um manifestante e forjaram as prisões.
As suspeitas surgiram após a imprensa divulgar a informação de que o capitão Willian Pina Botelho, de 37 anos, teria atuado como agente infiltrado do Exército no dia 4 de setembro. Ele colocou a ação policial em dúvida após se tornar suspeito de ter armado uma emboscada que levou à prisão dos manifestantes no Centro Cultural São Paulo (CCSP), no Centro da capital.
Por ser um oficial das Forças Armadas, a atuação do capitão Botelho é investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) e não pelo MPE.
Dos 21 ativistas pegos pela Polícia Militar (PM) sob a suspeita de serem black blocs e portarem objetos que seriam usados para depredar o patrimônio público e privado, 18 são maiores e foram indiciados pela Polícia Civil por associação criminosa e corrupção de menores. Três adolescentes acabaram responsabilizados por atos infracionais.
Todos os detidos negaram as acusações dos policiais, alegaram que as provas foram 'plantadas' e acabaram liberados por decisão da Justiça, que considerou irregulares as prisões para averiguação _os manifestantes sequer tinham ido ao protesto e muito menos depredaram qualquer patrimônio.
Um dos presos, um jovem de 18 anos acusado de andar armado com uma barra de ferro, denunciou um policial militar de tê-lo agredido com um soco no peito.
Mesmo diante da ausência de marcas no corpo do rapaz, conforme laudo do Instituto Médico Legal (IML), o Grupo de Atuação do Controle Externo da Atividade Policial (Gecep) quer ouvi-lo para apurar o suposto crime de lesão corporal que teria sido cometido contra ele pelo PM, ainda não identificado.
Em entrevista ao G1, a promotora do Gecep, Luciana Frugiuele, afirmou que, além da possível violência policial, investiga, com a Promotoria de Justiça Militar do estado de São Paulo, se a PM e a Polícia Civil cometeram abusos ao supostamente forjarem, respectivamente, as detenções e autuações dos manifestantes.
Essas desconfianças ganharam força após o site "A Ponte", o jornal "El País" e a TV Globo informarem que os ativistas acusavam o capitão Botelho de ter usado as redes sociais com um nome falso para se aproximar deles, levando-os para o Centro Cultural, onde foram detidos pela PM. Depois seguiram ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
O oficial do Exército, que se apresentou como Baltazar Nunes ou só "Balta Nunes" e estava com os manifestantes detidos, não foi levado para o Deic. Por meio de nota, a PM alegou que o liberou por não ter encontrado provas contra ele.
Ainda segundo a corporação, policiais militares detiveram os ativistas suspeitos de serem black blocs após uma denúncia anônima. Para os manifestantes, esse denunciante é o capitão Baltazar.
Lesão corporal: 'violência policial'
“São dois procedimentos. Um procedimento veio de uma informação da audiência de custódia, no momento que os manifestantes foram ouvidos lá pelo juiz, e um deles falou que havia sido agredido”, disse Luciana, que apura se ocorreu o crime de lesão corporal. “Em razão dessa afirmação, foi instaurado o procedimento para apurar violência policial”.
Segundo a promotora, o jovem foi chamado a prestar depoimento sobre a agressão que alega ter sofrido de um PM. “Nós já requeremos a oitiva desse manifestante”, falou a representante do Gecep, que ainda não marcou uma data para ouvi-lo. “Havendo necessidade nós vamos ouvir todos os outros manifestantes e os policiais envolvidos na ocorrência”.
Abuso de autoridade: 'flagrante preparado'
Paralelamente à investigação sobre a suspeita de agressão policial, o MPE instaurou em conjunto com o Ministério Público Militar um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar a atuação dos policiais militares e civis e a regularidade ou não das prisões e indiciamentos dos ativistas.
“Esse PIC foi instaurado para apurar a regularidade da atuação das nossas polícias, tendo em vista o fato novo que surgiu, depois da audiência de custódia, de que haveria um agente infiltrado na manifestação, que teria organizado tudo isso", explicou Luciana. "Esse agente teria chamado todos os manifestantes e induzido eles a se reunirem no Centro Cultural aonde a Polícia Militar chegou”.
“Então a gente quer apurar: a Polícia Militar estava sabendo? Não estava sabendo? A ação da Polícia Militar foi regular ou foi um flagrante preparado? A ação da Polícia Civil, ao ratificar o flagrante, foi regular?”, indagou a promotora.
Se o flagrante foi armado seria uma irregularidade, na opinião dela. “Um eventual abuso de autoridade. Em tese um abuso se foi um flagrante preparado”, disse Luciana. “Mas precisa ver se a polícia estava sabendo ou não estava sabendo”.
SSP, PM, Polícia Civil e Exército
Em comunicados anteriores à imprensa, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou desconhecer qualquer ação de inteligência que tenha sido feita entre a PM, Polícia Civil e o Exército para deter os suspeitos de serem black blocs.
Apesar de ter confirmado à reportagem que era Botelho o homem de óculos, com cabelos compridos e barbado, que aparece em vídeos e fotos na internet sendo detido pela PM junto com outros ativistas, a assessoria de imprensa do Exército em Brasília não respondeu se o capitão estava mesmo trabalhando como agente infiltrado e se estava lá com autorização judicial ou não.
Especialistas em segurança ouvidos pelo G1 disseram que a atuação de agentes infiltrados é legal, desde que se obedeçam critérios estabelecidos pela Política Nacional de Inteligência (PNI), que está em vigor desde 29 de junho deste ano após decreto de número 8.793, assinado pelo então presidente em exercício Michel Temer.
Por meio de nota, o Exército informou que abriu um procedimento para apurar o caso envolvendo o capitão, mas também não explicou o que investiga. Por meio de seu setor de comunicação, osmilitares defenderam o emprego de “operações de inteligência” permanentes em “manifestações de rua”. Apesar disso, não admitiu se fez uso delas no dia 4 de setembro.
Como o oficial pertence as Forças Armadas, a atuação dele também é apurada pelo MPF. “A gente não tem atribuição para investigar o capitão. A atribuição nossa é só para ver a regularidade ou não das nossas policias, policias estaduais”, alegou Luciana, do MPE.
Procurada, a assessoria do MPF informou que aguardava um posicionamento dos responsáveis pela investigação sobre o caso para se manifestar. Ainda não há confirmação se o capitão Botelho foi ouvido.
Perfil dos detidos
Segundo documentos do Deic, obtidos pelo G1, dos 21 detidos, só dois se conheciam. Um arquiteto brasileiro e um artista colombiano que dividiam um apartamento na região do Morumbi, Zona Sul da capital paulista.
Nove são homens e 12 do sexo feminino. Dois deles são estrangeiros _além do colombiano, há um mexicano. Uma mulher de 38 anos foi a mais velha manifestante a ser detida. Três adolescentes de 17 anos foram as mais jovens.
A reportagem não conseguiu localizá-los para comentar o caso. Veja abaixo o perfil dos detidos:
1) Arquiteto, 26 anos, superior completo, morador da região do Morumbi, Zona Sul de São Paulo – portava uma máscara e um frasco de vinagre, segundo a polícia.
2) Artista colombiano, 21 anos, 2º grau incompleto, morador da região do Morumbi, Zona Sul – “estava portanto um disco grande de metal, semelhante a um escudo”, de acordo com o boletim de ocorrência.
3) Adolescente, 18 anos, 1º grau incompleto, morador do Alto da Lapa, Zona Oeste – “estava portando uma barra de ferro de cor azul, semelhante a um pé de cabra”, informa o registro policial. “Afirma que foi agredido com um único soco na região do tórax à direita”, informa o laudo do IML sobre o que o jovem relatou. Os exames feitos nele, no entanto, não detectaram “evidências de lesões corporais”. Se elas existiram “não deixaram vestígios”, conclui o documento.
4) Autônomo, 23 anos, 2º grau completo, morador da Penha, Zona Leste.
5) Tradutora, 38 anos, superior completo, moradora de Itapecerica da Serra, Grande São Paulo.
6) Estudante, 21 anos, superior incompleto, moradora da Zona Leste – portava um “extintor veicular”, de acordo com a PM.
7) Autônoma, 28 anos, 2º grau completo, moradora de Santo André – portava “materiais de primeiros socorros”, aponta relatório policial.
8) Estudante, 18 anos, 2º grau completo, moradora da Barra Funda, Zona Oeste.
9) Estudante, 19 anos, superior incompleto, moradora de Alto de Pinheiros, Zona Oeste.
10) Desempregada, 28 anos, superior completo, moradora da Região da Vila Prudente, Zona Sul.
11) Estudante, 23 anos, superior incompleto, morador de Indaiatuba, interior de São Paulo.
12) Empresário, 24 anos, superior incompleto, morador de Perdizes, Zona Oeste – segundo a polícia, portava 16 celulares para “evitar que fossem rastreados ou que os integrantes dispersassem”.
13) Analista de Sistemas, 25 anos, superior completo, morador da Vila Mariana, Zona Sul.
14) Estudante, 21 anos, superior incompleto, morador de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo.
15) Estudante do sexo masculino, 19 anos, 2º grau completo, endereço não informado.
16) Estudante, 27 anos, superior incompleto, morador da Penha, Zona Leste.
17) Estudante mexicano, 20 anos, 2º grau completo, morador da Vila Madalena, Zona Oeste.
18) Autônomo, 20 anos, 2º grau incompleto, morador do Grajaú, Zona Sul.
Três adolescentes foram enquadradas em atos infracionais equiparados aos crimes de associação criminosa:
19) Estudante, 17 anos, 1º grau completo, moradora do Bom Retiro, Centro.
20) Estudante, 17 anos, 2º grau completo, moradora da Vila Mariana, Zona Sul – portava “materiais de primeiros socorros”, de acordo com a polícia.
21) Adolescente, 17 anos, 1º grau incompleto – moradora da Mooca, Zona Leste.
Reprodução: G1