Livre de dois processos no passado, um deles relacionado a maus-tratos contra crianças, o coronel reformado Pedro Chavarry Duarte, preso no último domingo ao ser flagrado com uma menina de dois anos seminua dentro de um carro, terá agora duas investigações pela frente.
Além da prisão preventiva decretada pela Justiça por acusação de estupro de vulnerável e corrupção ativa (por ter tentado subornar os policiais), ele é alvo de investigação no Ministério Público do Rio, que apura denúncia de suposto desvio de verba pública na Caixa Beneficente da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBPMERJ), da qual era presidente até ser preso.
A denúncia que chegou ao Ministério Público no início deste mês é de que Chavarry teria se apropriado de dinheiro recebido do governo estadual para pagamento de diversos tipos de benefícios devidos aos militares e que, para isso, se utilizaria de empresas abertas em nome de laranjas. A apuração deverá ficar a cargo de uma das promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital.
O advogado Davi Elmôr, que defende o coronel, disse que o oficial alega inocência. "Está sendo feito agora um prejulgamento muito pesado do coronel Chavarry. É preciso respeitar o contraditório, a ampla defesa e a presunção da inocência", afirmou o defensor.
Suspeita de tráfico de crianças
Nos anos 1990, Chavarry havia sido acusado de envolvimento na lista de propina do jogo do bicho. Parte da investigação do caso esteve a cargo do também coronel Valmir Alves Brum, considerado o "xerife" da PM na época e que chegou a prender Chavarry 23 anos atrás.
Outra acusação contra Chavarry também foi apurada por Brum na época.
No dia 18 de março de 1993, Brum, então chefe da 1ª Delegacia de Polícia Judiciária, enviou uma equipe de dois oficiais e dois soldados para verificar denúncia repassada pelo então deputado estadual Paulo Melo (PMDB): de que numa casa em um conjunto residencial de Bangu, zona oste do Rio, crianças ficavam abandonadas durante horas.
Nesse dia, o então capitão Pedro Chavarry foi preso em flagrante ao chegar nessa residência, onde havia um bebê de três meses chorando, sozinho, em um colchonete no chão.
Suspeito de tráfico de crianças não comprovado pela polícia, o oficial foi condenado a um ano de detenção por abandono e maus-tratos. Não cumpriu a pena, por ser réu primário, e posteriormente acabou sendo absolvido na Primeira Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, que acatou recurso da defesa.
Um ano mais tarde, em 30 de março de 1994, a fortaleza do contraventor Castor de Andrade, na Rua Fonseca, 1.040, em Bangu (zona Oeste do Rio), foi estourada em uma operação conjunta do Ministério Público e da polícia.
Nela, foram encontradas listas com nomes de agentes públicos, primordialmente policiais, que receberiam propina para fazer vista grossa ao jogo do bicho. Entre as centenas de nomes constava o de Chavarry.
Em maio daquele ano, Chavarry e outros 42 oficiais da PM, entre eles o então capitão Álvaro Lins, que posteriormente foi chefe de Polícia Civil e deputado cassado, foram processados por corrupção passiva. Quase quatro anos depois, foi realizada a primeira audiência de instrução e julgamento, quando 21 dos acusados foram absolvidos por insuficiência de provas e 22, incluindo Chavarry, condenados por unanimidade de votos.
A decisão foi alvo de recurso tanto do Ministério Público, que pediu a condenação dos absolvidos e uma pena maior para os condenados, quanto da defesa, que tentou estender a absolvição ao restante dos envolvidos.
Na argumentação, entre outros fatos, os defensores destacaram que o julgamento havia ocorrido em sessão secreta. A alegação foi acolhida pela Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, que anulou o julgamento, em sessão realizada em 25 de março de 2004.
Um novo julgamento foi marcado para novembro de 2009, mas acabou suspenso por determinação da ministra Laurita Vaz, à época na 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça(STJ), que apreciou também um pedido de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal. Como já havia passado mais de 16 anos desde o ajuizamento da ação, foi declarada extinta a punibilidade dos réus e todos foram absolvidos.
Julgamento suspenso
Antes de ganhar notoriedade nesta semana pela acusação de estupro de vulnerável, e depois de passar incólume pelos dois processos anteriores, Pedro Chavarry Duarte foi promovido junto com outros 53 tenentes-coronéis com base em lei que lhes dava esse direito após 32 anos de serviços prestados à corporação.
Foi para a reserva com currículo que o habilitava a presidir a Caixa Beneficente da Polícia Militar, atividade agora também investigada por outras autoridades.
Se antes o currículo de Pedro Chavarry era anunciado com pompa e circunstância no site da Caixa Beneficente – entidade que oferece aos associados "benefícios e serviços diferenciados, pensados especialmente para atender à família policial militar" -, atualmente seu nome não consta mais no expediente. A presidência é interinamente ocupada por Robson de Almeida Paulo, que acumula o cargo de vice.
A Caixa Beneficente não quis se pronunciar sobre as denúncias de fraude levadas ao MP. Em nota, o presidente em exercício da entidade, Robson de Almeida Paulo, lamentou o ocorrido com o presidente licenciado e informou que "os fatos noticiados pela mídia serão apurados na instrução criminal, respeitados os princípios constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal e o contraditório".
O coronel reformado de 62 anos preso no último fim de semana com a criança seminua no estacionamento de uma lanchonete em Ramos, zona norte do Rio, está respondendo também por corrupção ativa, acusado de tentar subornar os policiais militares que deram-lhe voz de prisão. Agora, a Polícia Civil investiga a existência de outras vítimas de crimes associados a pedofilia.
Defesa
Além de dizer que seu cliente alega inocência, o advogado Davi Elmôr disse que Chavarry realiza ações sociais em várias comunidades carentes com crianças no Rio de Janeiro e que, por isso, não seria um "fato isolado ele estar com uma criança", referindo-se ao episódio do estacionamento.
Sobre os processos anteriores, principalmente o referente aos maus-tratos e abandono do bebê, o advogado afirma que não devem ser considerados no caso presente: "Não podemos trazer à tona esse fato porque ele foi absolvido no passado, então, essa é uma questão que não merece ser desdobrada. O Judiciário não vai analisar o que é o coronel Chavarry durante toda a vida dele. Um processo penal é um processo penal dos fatos, e não do autor, então, nós vamos desdobrar apenas essa conduta pontual dele".