Juristas consultados nesta quarta-feira (31) pelo G1 questionaram a decisão do Senado quepermitiu à ex-presidente Dilma Rousseff voltar a exercer funções públicas, mesmo após sua condenação no processo de impeachment.
Apesar de o Senado aprovar, por 61 votos a 20, a perda do mandato, não houve votos suficientes para determinar a inabilitação para ocupar novos cargos públicos pelos próximos 8 anos, punição que a Constituição também prevê nos processos por crime de responsabilidade.
Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello disse que, em seu entendimento, não é possível separar as duas coisas, pois ambas devem ser aplicadas conjuntamente.
"O parágrafo único do artigo 52 da Constituição da República compõe uma estrutura unitária incindível, indecomponível. De tal modo que, imposta a sanção destitutória consistente da remoção do presidente da República, a inabilitação temporária por 8 anos para o exercício de qualquer outra função pública ou eletiva representa uma consequência natural, um efeito necessário da manifestação condenatória do Senado", disse.
O ministro lembrou que em 1993, o STF analisou o caso do ex-presidente Fernando Collor, que renunciou ao cargo em meio a processo de impeachment. Na ocasião, por 7 votos a 4, a Corte entendeu que, mesmo após a renúncia, ainda seria possível a inabilitação para função pública.
Foi com base nesse precedente que o Senadoentendeu ser possível separar as punições, interpretação da qual Mello disse ter discordado na época.
Relator desta ação, o ministro aposentado do STF Carlos Velloso também entende que a decisão do Senado foi "errada" e que não poderia haver o fatiamento.
Ele chama a atenção para a própria redação da Constituição, que diz que a condenação "somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".
"A preposição 'com', utilizada na Constituição de 1988 –, ao contrário do conectivo 'e', do § 3º, do art. 33, da Constituição de 1891 –, não autoriza a interpretação no sentido de que se tem, apenas, enumeração das penas que poderiam ser aplicadas. Implica, sim, interpretação no sentido de que ambas as penas deverão ser aplicadas", explica Velloso.
O professor de direito e constitucionalista Eduardo Mendonça diz ver com "desconforto" a decisão do Senado, que caracteriza como "no mínimo, heterodoxa". Ele também diz que a punição de inabilitação está atrelada à perda do mandato. "Não há alternativas ou gradações para isso", diz.
Mas Mendonça também critica a forma como essa decisão foi tomada no impeachment de Dilma. Para ele, a própria possibilidade de separar as punições deveria ter sido decidida pelo conjunto de senadores em votação e não determinada de forma indidivual pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que comandou o processo de impeachment no Senado.
Na segunda votação do impeachment, 42 senadores se posicionaram a favor da inabilitação para funções públicas, 36 foram contra e outros 3 com abstenção. Para Mendonça, se a possibilidade de votar sobre haver separação das punições tivesse sido colocada antes, ela poderia ter sido rejeitada.
"A maioria simples votou pela inabilitação. Portanto, se o Senado tivesse realizado uma votação prévia, para fixar uma interpretação do Senado a respeito dessa possibilidade, talvez a maioria simples dos senadores tivesse entendido que não poderia fazer isso e nem se chegaria à segunda fase", explica.
Também questionados pelo G1, todos os juristas consultados entendem que a Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de pessoas condenadas por órgãos colegiados por diversos delitos, não poderia ser aplicada a Dilma. Isso porque a lei não inclui dentre eles os crimes de responsabilidade, como nos processos de impeachment.
Um dos autores da lei, o juiz Márlon Reis, diz que ela não prevê a inegibilidade do presidente justamente porque a Constituição já determinava a inabilitação para funções públicas, pelo mesmo prazo de 8 anos.
"A Lei da Ficha Limpa não prevê nada com relação a perda do mandato de presidente da República. Ela o faz em relação aos cargos de governador do estado, do Distrito Federal, ou de prefeito. Mas ela fez silêncio proposital em relação ao tema da Presidência, porque a Constituição já trata disso. Pelo menos essa foi a leitura que nós fizemos quando elaborávamos a Lei da Ficha Limpa", diz Reis.
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