Léo foi mais um. Mais um para aumentar a lista de homossexuais mortos este ano, que só cresce. Mais um que saiu de casa para ser agredido. Mais um que não vai voltar para a família. Mais um para deixar os baianos chocados hoje e, como quase sempre ocorre, ser esquecido amanhã.
O promotor de eventos Leonardo Santiago Moura, 30 anos, o Léo, morreu nesta segunda-feira (11), no Hospital Geral do Estado (HGE), depois de passar dois dias internado. Ele deu entrada na unidade pela primeira vez na manhã de sábado, depois de ser espancado no Rio Vermelho — uma das principais suspeitas é de que tenha sido vítima de ataque homofóbico.
Mais tarde, por volta das 10h, deixou o hospital. Só que não estava bem. Horas depois, com queixa de dores e vômitos, voltou à unidade: foi imediatamente para o centro cirúrgico. Na operação, perdeu um rim. Já na madrugada de ontem, segundo o boletim do posto policial do HGE, Léo teve dispneia — que é a dificuldade para respirar. Morreu após uma parada cardiorrespiratória.
Oficialmente, a polícia diz que não descarta hipóteses — inclusive porque o celular do produtor de eventos não foi encontrado com ele. Contudo, outros pertences, como os óculos, o relógio e a carteira de identidade de Léo não foram levados. Para a família, trata-se de um crime de ódio, motivado por homofobia.
“Léo não fazia mal a ninguém. Não dá para viver dessa forma, sabendo que nossos familiares podem não voltar para casa porque são gays, porque são negros, porque são mulheres”, desabafou a prima, a designer de interiores Adriana Moura, 35.
Cronologia
Por volta das 5h30 de sábado, Léo saiu da boate San Sebastian com um amigo. Os dois iam para direções opostas — o amigo para Itapuã, Léo para a Barra, onde morava — e o produtor seguiu andando pela Rua da Paciência, na orla do bairro. Mais tarde, a uma prima, disse que buscava um táxi para ir para casa. Mas nunca encontrou o táxi.
Em algum momento dessa caminhada, Léo sofreu o ataque. Só foi encontrado por volta das 8h, por um pescador, caído na praia, nas proximidades do restaurante Sukiyaki — que fica a cerca de 800 metros da boate e a 200 metros do Centro Municipal de Referência e Atendimento LGBT. “Não sabemos como foi o ataque, mas ele foi socorrido por pessoas que estavam passando”, contou o primo de Leonardo, Paulo Issami.
Segundo a polícia, o pescador ligou para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que socorreu o produtor e o levou até o HGE. Lá, uma médica pediu tomografias, mas ele recusou o atendimento. Foi liberado após assinar um termo de responsabilidade. “Ele estava muito tonto, muito confuso. Teve alguma divergência com a médica, porque achou que o atendimento demorou”, disse a prima dele, Carolina Moura.
Léo foi, então, para casa. Não lembrava de nada após ter saído para procurar o táxi. “Mas era visível que ele tomou pancada. Ele sentia dores no abdômen, tinha poças de sangue nos olhos. A gente vai levantar a bandeira com todo movimento LGBT, porque isso é inadmissível”, comentou Carolina.
Nas poucas horas em que esteve lúcido após o ataque, não entendia o motivo de ter sido agredido. De acordo com a tia dele, Vera Moura, 58, Léo chegou a dar a senha do Facebook para uma das primas, para que ela vasculhasse conversas antigas e tentasse localizar até mesmo algum tipo de ameaça que apontasse uma resposta. Nada foi encontrado.
Às 14h30 de sábado, a família decidiu levá-lo de volta ao hospital, onde deu entrada às 15h30. “Ele estava com a barriga muito inchada. Depois, veio a notícia de que tinham precisado tirar o rim”, afirmou o primo, Luan Moura, 25, que o levou ao HGE.
Investigação
Ao CORREIO, o delegado Líbio Oreto, que fez o levantamento cadavérico, disse que ainda não é possível afirmar o local da agressão. “Ele pode ter sido agredido antes (da Paciência), veio caminhando e caiu ali”.
A Polícia Civil informou que a delegada Mariana Ouais, titular da 1ª Delegacia de Homicídios, solicitou imagens de câmeras de estabelecimentos no trecho percorrido por Léo. O produtor de eventos morava com a avó, na Barra. Tinha acabado de ser aprovado no vestibular para Comunicação Social na Faculdade Social da Bahia (FSBA).
A mãe de Léo, Nádia Santiago, que não sabia que seu filho podia ser morto pela orientação sexual, irá sepultá-lo hoje, às 10h, no Campo Santo. Ontem, ela preferiu o silêncio, mas o motivo para a morte de Léo precisa de uma resposta para não ser mais um caso esquecido.
Reprodução/Correio24h