Bahia

Os Caboclos: como surgiram as imagens que representam o povo baiano no 2 de Julho?

A escolha das figuras para representar os baianos, explica o professor, foi pautada no contexto social da época. Isto porque a figura do homem branco não podia ser exaltada por ser associada aos portugueses. O negro também não poderia ser escolhido para representar o povo porque, na época, carregava o estigma do escravismo. No impasse, foi escolhida a figura dos povos indígenas para materializar a plástica dos brasileiros nas imagens.  

Bruno Concha / Secom PMS
Bruno Concha / Secom PMS

As figuras do Caboclo e da Cabocla, ícones da celebração pelo 2 de Julho, estão enraizadas no imaginário popular dos baianos. Levados no desfile em um carro alegórico que faz alusão aos veículos de transporte de canhões durante a guerra, destacando sempre as cores verde e amarelo remetendo à nação, as figuras são símbolos que permeiam variadas histórias que remontam o período da Independência do Brasil na Bahia. Neste ano, em que se comemora o bicentenário do 2 de Julho, a programação especial da festa na capital baiana traz como tema “Salve nossa terra, Salve o Caboclo”.

De acordo com o professor de História da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Milton Moura, não é possível precisar em que ano as imagens dos caboclos surgiram como elementos do cortejo. Elas aparecem no desfile como representação do povo brasileiro, que lutou bravamente para consolidar a Independência do país. “Em 1824, já vemos o cortejo de comemoração ao 2 de Julho. Não sabemos exatamente quando a atual imagem do Caboclo foi criada, mas surge com certeza nesta mesma década e, uns 20 anos depois, vem a imagem da Cabocla”, afirma.

A tradição surgiu em 1824, quando veteranos das batalhas de independência se juntaram e desfilaram da Lapinha ao Terreiro de Jesus. A ideia era repetir o trajeto que fizeram um ano antes, ao entrarem vitoriosos em Salvador após a expulsão do exército português. Nos primeiros cortejos, eles seguiram uma antiga carroça que antes levava os canhões do inimigo, e que provavelmente estava em posse dos baianos como um troféu de guerra.

O detalhe é que, em cima daquela carroça dos primeiros desfiles, aparecia uma pessoa, um homem de etnia indígena. Ele usava trajes habitualmente associados aos indígenas e tinha ao seu redor ornamentos feitos com folhas e frutas. Ou seja: estava ali representada a imagem do Caboclo.

Mas, como o Caboclo foi parar ali? A imagem já estava presente há séculos na cultura e na religião dos baianos, justamente como uma figura de culto e de celebração. A tradição vem, sobretudo, do chamado Candomblé de Caboclo, no qual figuras indígenas também são adoradas, numa demonstração de respeito aos donos da terra, ou seja, aos ancestrais que aqui viviam muito antes da chegada dos escravizados e dos portugueses.

A escolha das figuras para representar os baianos, explica o professor, foi pautada no contexto social da época. Isto porque a figura do homem branco não podia ser exaltada por ser associada aos portugueses. O negro também não poderia ser escolhido para representar o povo porque, na época, carregava o estigma do escravismo. No impasse, foi escolhida a figura dos povos indígenas para materializar a plástica dos brasileiros nas imagens.  

“Eles desfilam em cima de um dragão ou serpente representando que são vencedores, que derrotaram o opressor. A algazarra que se produzia e o sentimento de júbilo e glória com a passagem dos caboclos pelas ruas centrais é a glorificação de um tipo humano que pudesse arrematar todos nós”, pontua o professor.