O governo federal reafirmou, nesta segunda-feira (12), que o Estado torturou e matou cidadãos brasileiros durante a chamada Guerrilha do Araguaia (1967/1974), caracterizada por confrontos entre forças de segurança pública e militantes da luta armada contra a ditadura militar (1964/1985).
"O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os direitos humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos”, sustenta o governo federal, em nota que a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República divulgou nas mídias sociais nesta segunda.
Na nota, o governo federal acusa a gestão anterior de “desinformar” a população sobre “eventos históricos de amplo conhecimento” e de tratar como “honroso o momento mais repulsivo da história recente do país” ao tratar como herói “o homem que ordenou a prisão, tortura e execução de cidadãos brasileiros que defendiam a democracia durante o regime militar, em especial os que atuaram na guerrilha do Araguaia, na região de Tocantins, Pará e Maranhão”.
Justiça
“A Secom retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória”, afirma a secretaria, acrescentando que “nada justifica a tortura, a mais covarde das violências”.
A publicação do texto cumpre uma decisão da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, que concedeu direito de resposta a parentes de pessoas mortas ou violentadas por agentes públicos comandados pelo então major do Exército, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, que faleceu no ano passado, com 87 anos de idade. À época, Curió já tinha passado à reserva na condição de coronel e o governo federal já havia atendido a vários pedidos de anistia de vítimas da repressão militar, admitindo as violações aos direitos humanos.
A ação judicial que resultou no direito de resposta foi motivada por uma publicação veiculada nas mídias sociais oficiais do governo federal em 5 de maio de 2020, durante a gestão do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Na ocasião, a Secom, então chefiada por Fabio Wajngarten, divulgou um texto em que classificava Curió como herói por ter “combatido a guerrilha comunista no Araguaia”. O texto era ilustrado por uma foto do encontro de Curió com o presidente Bolsonaro, ocorrido na véspera (4), no Palácio do Planalto.
Homenagem
O fato de Bolsonaro receber Curió em seu gabinete e de usar a máquina estatal para elogiar a atuação do militar causou a indignação e a revolta de familiares das vítimas da ação do ex-major, que obtiveram, na Justiça, o direito de resposta não concedido pelo governo Bolsonaro, que recorreu da decisão. Segundo a Secom, com a mudança de gestão, no início deste ano, o governo federal se pôs em “total concordância com a ordem judicial que determinou o restabelecimento da verdade”.
O próprio Curió admitiu, em 2009, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, que as forças sob seu comando torturaram e executaram 41 guerrilheiros, alguns deles rendidos após se entregarem às forças de segurança. Dois anos depois, ele chegou a ser detido durante uma operação de busca e apreensão de documentos que pudessem revelar o paradeiro de corpos de guerrilheiros desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia.
Ao longo dos últimos anos, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou ao menos três denúncias contra Curió, acusando-o por crimes cometidos durante a ditadura militar, como sequestros, homicídios, ocultação de cadáveres e tortura.
A reportagem procurou o ex-chefe da Secom, Fábio Wajngarten, e aguarda posicionamento.