Política

Bolsonaro tira AGU de 28 casos na Justiça e nomeia advogados

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) retirou a AGU (Advocacia-Geral da União) de sua defesa em 28 casos, apesar de ter a prerrogativa de continuar contando com a atuação dos advogados públicos.

Joe Raedle/Getty Images/AFP
Joe Raedle/Getty Images/AFP

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) retirou a AGU (Advocacia-Geral da União) de sua defesa em 28 casos, apesar de ter a prerrogativa de continuar contando com a atuação dos advogados públicos.

Passarão para bancas privadas e advogados aliados do ex-mandatário casos como multas sanitárias por realizar motociatas sem máscara na pandemia, a apuração dos atos antidemocráticos e outra aberta após pedido da CPI para investigar a conduta do ex-presidente em relação à Covid.

Dos 28 processos, 20 estão no STF (Supremo Tribunal Federal), sendo 17 investigações. Os demais estão em outras instâncias do Judiciário.

Há três casos em que, apesar de o ex-presidente ter constituído advogados privados, ministros já haviam negado os pedidos de abertura de investigação formulados por parlamentares.

Todas as principais apurações são relatadas pelo ministro Alexandre de Moraes, um dos principais alvos do bolsonarismo.

Bolsonaro também é alvo de apuração que investiga se ele interferiu na autonomia da Polícia Federal e de outra que visa identificar se o ex-presidente vazou informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Há ainda pedidos de investigação contra Bolsonaro feitos ao Supremo que estão sob relatoria de outros ministros e podem ter três destinos: tornarem-se inquéritos, serem arquivados ou enviados à primeira instância, uma vez que o ex-presidente não tem mais direito a foro especial.

Esse é o caso, por exemplo, de uma solicitação para apurar se ele incitou a população a descumprir medidas sanitárias de contenção da Covid.

Há ainda um 29º caso, que ainda não integra lista enviada à Folha pela AGU: o magistrado incluiu o ex-presidente no inquérito que apura a autoria dos atos golpistas de 8 de janeiro.

Os casos criminais, considerados mais sensíveis, ficarão sob os cuidados do advogado do PL, Marcelo Bessa. De confiança de Valdemar Costa Neto, presidente do partido, Bessa já atua com o partido há anos. Foi ele quem, no ano passado, entrou com um pedido no TSE para pedir a invalidação de votos, após a derrota de Bolsonaro.

Já os processos de multa à época da pandemia devem ficar com Karina Kufa, que atuou na campanha do ex-presidente em 2018 e se aproximou da família Bolsonaro. Ele foi multado três vezes pelo Governo de São Paulo e uma pelo do Maranhão por realizar aglomerações em 2021, em eventos e motociatas, a despeito de haver decretos estaduais contrários a isso devido à pandemia.

O advogado Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, ex-ministro do TSE, continuará acompanhando os processos de Bolsonaro na campanha do ano passado. Tramitam quase duas dezenas de ações de investigação eleitoral, algumas delas que podem levar ele à inelegibilidade.

Da confiança do senador Flávio Bolsonaro (PL), o advogado Victor Granado também deve atuar em casos do ex-presidente. Ele foi assessor do então deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio.

Frederick Wassef, por sua vez, continuará à frente de um único caso: o que envolve a facada do ex-presidente, em 2018.

O assessor de Bolsonaro e ex-chefe de gabinete do presidente, João Henrique Nascimento de Freitas, disse à Folha que a troca da AGU por advogados privados não se deu por desconfiança à equipe do ministério, hoje comandada por Jorge Messias, mas porque os casos demandavam “acompanhamento mais próximo”.

“A desistência da representação pela AGU não decorre de desconfiança, posto que, se assim fosse, retiraríamos todos os processos atualmente aos cuidados por eles. Estamos retirando apenas alguns processos mais relevantes para a estratégia geral de defesa, que demandam um acompanhamento mais próximo”, afirmou Freitas.

“Muito embora seja um cargo de confiança, de escolha do atual presidente, acredito que declarações políticas não interfiram no trabalho de um servidor público que está à frente de uma das instituições mais respeitadas do país”, completou, se referindo a Messias.

O atual chefe da AGU foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República no governo de Dilma Rousseff (PT) e secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação na gestão da petista, além de ter atuado como consultor jurídico dos ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação.

À frente da AGU há menos de dois meses, Messias já deixa sua marca no ministério. No dia 8 de janeiro, quando golpistas invadiram e depredaram a sede dos três Poderes em Brasília, a pasta pediu a prisão do ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres.

Torres, que estava nos Estados Unidos, foi preso na semana seguinte, após a Polícia Federal encontrar uma minuta de decreto golpista em sua casa, como revelou a Folha.

A pasta também solicitou dissolução dos atos em frentes aos quartéis-generais, que pediam intervenção militar.

Além disso, logo na sua posse, Messias anunciou a criação de procuradorias nacionais de Defesa da Democracia e do Meio Ambiente e do Clima.

De acordo com João Henrique Nascimento, muitos processos envolvendo o ex-presidente continuarão sob a alçada da AGU, ainda que não saiba precisar quantos são.

Além dos advogados já nomeados nas causas mais sensíveis, a expectativa da equipe do ex-presidente é de que sejam necessárias novas contratações.

Contudo, a avaliação de auxiliares é de que não devem ser acionadas grandes bancas conhecidas. Primeiro, por uma questão de recursos, pois são as mais caras. De acordo com interlocutores do PL, os custos com a contratação de advogados ficarão com o partido.

Segundo, por estratégia. Aliados avaliam que advogados não tão visados podem dar mais atenção aos processos envolvendo o ex-presidente.

Em entrevista ao jornal The Wall Street Journal, Bolsonaro disse que voltará ao Brasil em março para liderar a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ele viajou para a Flórida em 30 de dezembro, antes de terminar o mandato e rompeu a tradição de passar a faixa para seu sucessor, evitando um encontro com o adversário petista.

O ex-presidente vinha indicando nas últimas semanas que retornaria ao Brasil em breve, mas não havia especificado uma previsão de data.

Aliados de Bolsonaro defendiam que sua presença no país pudesse tumultuar ainda mais o cenário político e, eventualmente, prejudicá-lo juridicamente.

Há uma avaliação entre integrantes do mundo político de que pode ocorrer com Bolsonaro o mesmo que aconteceu com Lula, que deixou a presidência e passou a ser investigado na primeira instância em diferentes estados.