Bahia

Invisibilidade e violência: homofobia que não entra de quarentena

“Sempre há consequências, medo de retaliação, necessidade de se reafirmar em outros aspectos em uma tentativa desleal de atenuar algo incômodo”, pontua a advogada Lara Góes

Reprodução / Agência Brasil
Reprodução / Agência Brasil

Silenciamento, violência e invisibilidade: a realidade que atinge a vida de cerca de 18 milhões de pessoas LGBTs no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que não não levou em conta pessoas intersexo e assexuais.

“Sempre há consequências, medo de retaliação, necessidade de se reafirmar em outros aspectos em uma tentativa desleal de atenuar algo incômodo”, pontua a advogada Lara Góes, de 25 anos. Esta é a sensação, o receio e a opressão que transita entre as relações homoafetivas no país. 

Ainda que, há mais trinta e dois anos, a homossexualidade não integre mais o quadro de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), os dados obtidos no Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil revelam que, só no ano de 2021, o país registrou pelo menos 316 mortes violentas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+). Esse número representa um aumento de 33,3% em relação ao ano anterior, quando foram 237 mortes. 

Em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Questionada sobre a importância e efetividade desta desmedicalização, em entrevista ao Portal Salvador Fm, Lara pontuou que foi uma medida "necessária, tardia e falseada”. Ela destaca ainda que, apesar de não ser mais considerada uma doença, a terminologia com o sufixo “ismo” ainda continua sendo empregada por muitas pessoas, “desavisadamente ou não''.

“Temos que lembrar que muito embora em 1990 tenha havido a retirada, só em 1999 o conselho de psicologia proibiu profissionais de conduzirem tentativas de alteração de orientação sexual. Isso para não mencionar que temos que nos defrontar por exemplo com um projeto absurdo de cura gay em 2011. Nesse sentido, tenho certeza que a desmedicalização conquistada  ainda está muito longe de se solidificar socialmente. Enquanto mulher lésbica, isso é uma frustração imensa”, destaca a advogada. 
Além da expectativa da sociedade, do tabu e do preconceito em torno do tema, as pessoas LGBTQI+ ainda passam pela coerção social e precisarem “assumir-se”. E, nesse sentido, as redes sociais vieram a exercer esse novo papel de opressão na vida dessas pessoas que, diferentemente dos heterossexuais, não precisam de validação social para serem quem são, bem como não necessitam expor a sua orientação sexual. 

Apesar de ter se recusado, por muitos anos, do temor que essa questão traz, a advogada afirma que isso não a livrou do crivo social que passou. “A ideia de se assumir é algo que sempre rechacei e exatamente por isso nunca o fiz. Costumo dizer que me reafirmei, expresso minha orientação sexual da forma mais livre e responsável possível. Intencionalmente me recusei a criar uma atmosfera de temor para essa questão, o que fatalmente não nos livra da mentalidade cultivada socialmente de que as pessoas podem ter alguma ingerência ou opinião sobre isso”, sinaliza. 

Lara relatou ainda que, apesar de ter uma família que a apoiou, isso não a isentou de passar por desconfortos pela sua orientação sexual. “Tenho uma família absolutamente amorosa, que prioriza o livre arbítrio e que acolhe meus projetos, mas não deixou de haver um período adaptativo, período esse que uma pessoa heterossexual jamais se submeteu”, diz. 

Diferentemente da advogada que pode contar com o apoio dos seus familiares, a estudante de jornalismo, de 23 anos, Sofia Oliveira, contou ao Portal que a falta de apoio foi uma das mais dolorosas em seu processo. “Dentre todas as coisas, a falta de apoio familiar é, com certeza, uma das mais dolorosas. Porque você precisa de acolhimento nesse processo, afeto, carinho, e quando não recebe isso, começa a se questionar de si mesmo. Então, para todes que se assumem, o que nós buscamos muito é o apoio familiar”, explica a estudante. 

Para além das preocupações que permeiam a realidade dos homossexuais na sociedade brasileira, o dossiê produzido  por meio do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, é resultado de uma parceria entre a Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT),  revela que os dois grupos que mais sofreram violência são os homens gays (45,89%), com um total de 145 mortes; e as travestis e mulheres trans (44,62%), com 141 mortes. Em seguida, as mulheres  lésbicas representam 3,80% das mortes (12 casos); os homens trans e pessoas transmasculinas somam 2,53% dos casos (oito mortes).

O medo de sair às ruas e de sofrer algum tipo de violência ou agressão é uma realidade que perpassa a rotina dos homossexuais no país, sobre isso, a advogada Lara relatou que, apesar nunca ter sofrido diretamente uma agressão e por reconhecer o seu privilégio, comenta que já passou por situações que uma pessoa heterossexual jamais passará. “Evidentemente já passei por situações muito desconfortáveis em razão da minha orientação sexual, desconheço alguém homossexual que não tenha que lidar corriqueiramente com situações desagradáveis.No meu caso, tenho uma realidade muito privilegiada, de modo que os ambientes que eu frequento não me inspiram medo. Mas temos que lembrar que a homofobia nem sempre é traduzida em discurso odioso, mas sempre vem em uma tentativa de invisibilização e marginalização. E isso é violento, absolutamente violento. Isso é uma tentativa de aniquilar algo que lhe é inato, que lhe constrói como pessoa, que significa a sua existência e que mais ainda, não diz respeito a ninguém além de você mesmo”, diz ela. 

Entre tantos preconceitos e receios, não é comum a sociedade se deparar com pessoas homossexuais ocupando espaços privilegiados na sociedade, isso porque, na maioria das vezes, os LGTBQI+ não se sentem confortáveis em serem quem são nos seus ambientes de trabalho. 

“Nenhuma pessoa no meu ambiente de trabalho é LGBTQIA+.E complemento dizendo que em nenhum outro havia também, não na área jurídica. Acho que isso já responde a muita coisa. Isso porque, além de enfrentar mais dificuldades em acessar ambientes onde as formalidades, poder e conservadorismo se impõe, também vêem-se obrigadas a suprimir algo que lhes é inerente e deveria ser tratado com naturalidade. Sempre há um temor em torno do impacto que a informação trará aos demais e essa preocupação é injusta”, afirma Lara. 

De acordo com um relatório da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (Ilga World), publicado em 2021, 67 nações têm leis que perseguem gays com prisão ou até mesmo morte. 

A estudante de jornalismo reforça a importância do dia 17 de maio na luta contra a homofobia. “O dia 17 tem toda sua importância e simbologia, principalmente quando falamos de Brasil. A homofobia é algo que está presente em todos os núcleos ainda, infelizmente. O dia 17 é importante pra gente debater os preconceitos que nós sofremos, entendermos as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, além de gerarmos o desenvolvimento de uma conscientização civil sobre a criminalização da homofobia”, destaca Sofia.