Brasil

Só com luta de negros foi possível abolir escravidão, diz especialista

O historiador Rafael Domingos Oliveira, que faz parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Afro-América, destaca que a promulgação da Lei 3.353, em 13 de maio de 1888

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O fim da escravidão legalizada no Brasil foi um processo construído por pessoas negras, um ponto que especialistas consideram fundamental ser lembrado no dia 13 de maio, data da abolição da escravidão.

“Ao longo das últimas décadas, têm aumentado as percepções sobre a ação política dos escravizados, inclusive o próprio 13 de maio”, enfatiza o psicólogo Márcio Farias, que coordena a coleção Clóvis Moura na Editora Dandara.

O 13 de maio é alvo de disputas por ser uma data oficial usada como uma espécie de “ação redentora de uma elite, dos setores dominantes, frente ao que foi o horror da escravidão”, diz Farias. Segundo o pesquisador, por isso, os movimentos negros precisaram contestar a celebração no sentido em que a abolição estava sendo apresentada como uma benesse concedida pela monarquia à população negra.

“Talvez seja uma data das mais emblemáticas naquilo que são as disputas de projetos de país colocados, de um lado, por setores das elites dominantes, classes possuidoras de riquezas e poder, e por outro lado também reflete como os setores da classe trabalhadora, ao longo do século 20, foram se posicionando frente a essa data, como uma plataforma de disputa de projeto de sociedade”, comenta.

O historiador Rafael Domingos Oliveira, que faz parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Afro-América, destaca que a promulgação da Lei 3.353, em 13 de maio de 1888, acontece em um contexto histórico amplo, que envolve séculos de luta das pessoas escravizadas. “O percurso histórico até ela [Lei Áurea] foi muito mais longo e, se quisermos ser rigorosos, começou com a primeira pessoa a ser escravizada e que, certamente, tentou resistir de todas as formas à nova condição a que estava sendo submetida. Desde então, foram muitas as estratégias de resistência — individual e coletiva – de que as populações escravizadas lançaram mão para conquistar sua liberdade.”

Primeiro movimento social
De acordo com o historiador, a pressão para o fim da escravidão veio de diversas formas, desde a resistência direta até os movimentos que lutavam a partir da imprensa, da política e do Judiciário. “A contribuição dos movimentos abolicionistas foi, sem dúvida, fundamental para isso. Outro fator foi a tensão constante causada pela violência da escravidão, tensão geralmente resumida no medo que a classe senhorial cultivava de que revoltas e rebeliões pudessem eclodir a qualquer momento”, lembra.

“Há uma pesquisa feita pela professora [da Universidade de São Paulo] Angela Alonso que mostra que o primeiro movimento social brasileiro foi o movimento abolicionista. Ela percorre, no livro dele, o período de 1868 a 1888 mostrando as diferentes estratégias e táticas do movimento social abolicionista para que se chegasse em 1888 com a abolição”, acrescenta o sociólogo e curador de conhecimento na Inesplorato, Túlio Custódio.

No entanto, em relação à luta contra a escravidão e pelos direitos da população negra, o sociólogo considera mais importante o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. “Nós temos o 20 de novembro como uma data mais fundamental, porque é uma data que conecta com a grande luta, ou com uma perspectiva mais ampla da luta contra a escravidão, contra o racismo, contra a situação das pessoas negras em um contexto colonial e racista do Brasil”, enfatiza.

Porém, é preciso, segundo Custódio, lembrar que promulgação da lei que encerrou o período escravista no país não foi uma iniciativa da princesa Isabel, responsável pela assinatura do documento oficial, mas, sim uma luta de muitos anos de figuras negras importantes, como José do Patrocínio, Luiz Gama e André Rebouças.