Em clima eleitoral, o Congresso Nacional pisou no acelerador das bondades e aprovou, com apoio da base do governo, uma bomba fiscal, dado seu potencial impacto bilionário nas contas de União, estados e municípios.
Em um único dia, a Câmara aprovou um piso salarial de R$ 4.750 para o setor de enfermagem, enquanto o Senado aprovou uma proposta que estabelece remuneração mínima de dois salários mínimos (ou seja, R$ 2.424) a agentes comunitários de saúde.
Agora, os parlamentares discutem outras iniciativas com impacto para as contas públicas, como a renegociação para devedores da União e até a retirada do Auxílio Brasil do teto de gastos.
Apesar de contrariar a posição da equipe econômica, a aprovação das propostas não enfrentou resistências do Palácio do Planalto. Sem oposição explícita do governo de Jair Bolsonaro (PL), os parlamentares aliados apoiaram em peso as duas medidas, evitando também o desgaste perante seus eleitores.
A briga agora é para decidir quem pagará a conta. Como mostrou a Folha de S.Paulo, só o piso da enfermagem tem impacto estimado pelo Tesouro Nacional em R$ 7 bilhões, no caso de hospitais públicos, e R$ 8 bilhões no caso de entidades filantrópicas (muitas das quais recebem verbas do setor público), chegando a R$ 22 bilhões se incluído o setor privado.
Estimativas do setor, por sua vez, apontam impacto total menor, de R$ 16,3 bilhões para bancar o piso de enfermagem. Seja qual for o custo, parte dele recai sobre os cofres de estados e municípios -que, por sua vez, querem apoio federal para bancar a fatura adicional. No setor privado, o temor é de aumento no número de demissões.
Outros R$ 3,7 bilhões seriam necessários para arcar com o piso para agentes comunitários de saúde, mas a própria emenda jogou a fatura para o colo da União. Por se tratar de PEC (proposta de emenda à Constituição), o texto não é submetido ao crivo do presidente da República e já foi promulgada pelo Congresso.
Já o piso dos enfermeiros será alvo de recomendação de veto pelo Ministério da Economia.
A relatora do piso da enfermagem, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), afirmou que uma reunião com representantes do governo está prevista para a próxima terça-feira (10). A expectativa é chegar a um consenso sobre como financiar o novo piso da enfermagem, evitando o veto.
“Estamos trabalhando em busca de uma fonte de recursos, porque a situação não poderia ficar como estava. É a enfermagem que assiste à população 24 horas. Como é que eu tenho técnico de enfermagem ganhando R$ 1,2 mil com 40 horas nesse país, cuidando de cinco bombas de infusão, com medicação diluída?”, questionou a parlamentar.
Há diversas ideias para destinar recursos de royalties de petróleo, dividendos de estatais ou verbas paradas em fundos do governo, além das receitas vindas de eventual liberação de jogos de azar -já aprovada na Câmara. No entanto, nenhuma das soluções soluciona o obstáculo imposto pelo teto de gastos, totalmente ocupado pelas despesas do governo federal.
A parlamentar não confirma oficialmente, mas interlocutores apontam que ela se reuniu com o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para tratar da liberação dos jogos, vista como opção mais viável para financiar o piso em anos futuros.