Apesar de a Câmara ter aprovado a PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que libera mais gastos públicos, integrantes do governo já contam com um revés no Senado.
Na avaliação de interlocutores do Palácio do Planalto, a Casa não deve conseguir aprovar a proposta no prazo para que o Auxílio Brasil de R$ 400 seja pago já em dezembro.
A PEC dos Precatórios, proposta que dá calote em dívidas judiciais da União, é hoje a principal pauta de interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso.
Ela autoriza o governo a gastar mais e viabiliza promessas do governo na área social que buscam dar impulso a Bolsonaro na campanha à reeleição em 2022.
A avaliação de articuladores do governo é que, no cenário atual, o Senado não deve dar a celeridade necessária à proposta, como verbaliza o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
No final de outubro, o ministro João Roma (Cidadania) fez um apelo para que o Congresso aprovasse a medida até a segunda semana de novembro. Neste momento, Pacheco nem sequer está no Brasil —ele participa da COP26 em Glasgow.
Portanto, o governo deixará pronta uma MP (medida provisória) que abre recursos para que o valor do Auxílio Brasil em dezembro alcance o patamar mínimo de R$ 400 por família. Isso deve ficar fora do teto de gastos —regra que trava o crescimento de despesas públicas.
A ideia é que o Auxílio Brasil, que já está dentro do Orçamento, seja usado para pagar o benefício médio, que vai passar para cerca de R$ 210 por mês. A MP daria o valor complementar para se chegar aos R$ 400 mensais.
Segundo relatos de senadores à Folha, o governo também pretende usar essa MP como uma forma de pressionar o plenário a aprovar a PEC do Calote o quanto antes.
A estratégia seria usada para convencer principalmente a bancada refratária a flexibilizações que afetem a responsabilidade fiscal.
O argumento usado é que, se o governo tiver de recorrer a uma MP para bancar o Auxílio Brasil turbinado, o mercado financeiro irá ficar mais volátil, podendo impactar negativamente no câmbio e nos juros.
Nesta quarta-feira (10), o ministro da Cidadania disse, na saída do Planalto, que, se a análise da proposta atrasar no Senado, vai inviabilizar o pagamento do benefício em dezembro.
"Se essa tramitação [no Senado] se estender até o próximo mês, isso irá inviabilizar que o benefício de R$ 400 chegue para os brasileiros em dezembro", afirmou Roma.
"Cabe ao Senado Federal ter a sensibilidade e somar todos os esforços para que essa medida seja analisada no mais breve espaço possível, mas não cabe a ninguém do Executivo ditar as regras da Casa Legislativa", disse.
O Palácio do Planalto ainda trabalha com a possibilidade de editar um novo decreto com a declaração de estado de calamidade pública para afrouxar regras orçamentárias no fim deste ano e em 2022.
Isso iria retirar amarras fiscais que impedem hoje que Bolsonaro gaste mais em programas que visam recuperar a popularidade perdida dele.
Auxiliares palacianos esperam que, diante da proximidade do prazo, o presidente do Senado se empenhe em votar a medida. Mas, de forma realística, acham este cenário menos provável.
No Ministério da Economia, a hipótese de um novo estado de calamidade é bastante rejeitada. Técnicos dizem que ninguém da pasta aceitaria assinar um ato relacionado a isso. Há o receio de que o ato seja considerado irregular futuramente.
As dúvidas levantadas por técnicos da equipe econômica estão relacionadas ao argumento a ser usado pelo governo para decretar a calamidade.
O estado de calamidade vigorou entre o início da pandemia da Covid-19 até 31 de dezembro de 2020.
Desde janeiro de 2021, os recursos para pagar o auxílio emergencial e ampliar as despesas com saúde no combate ao coronavírus foram liberados por MP de crédito extraordinário, ou seja, dinheiro fora do teto de gastos. Mas sem a necessidade de decretar a calamidade.
Em um cenário em que a PEC nem sequer será aprovada até o início de 2022, membros do Ministério da Economia dizem que será necessário um ajuste no Orçamento. Esse ajuste poderá ser com corte na verba para emendas parlamentares.
O projeto de Orçamento do próximo ano já foi elaborado no limite determinado pelo teto de gastos. Mas há a necessidade de aumentar a previsão de despesas obrigatórias, como aposentadorias e pensões, que são vinculadas à inflação (em aceleração neste segundo semestre).
Como a PEC libera espaço para mais gastos, a rejeição ou a desidratação da proposta exigiria uma tesourada no Orçamento de 2022, que já está apertado.
No entanto, oficialmente, lideranças do governo no Senado dizem acreditar que a PEC dos Precatórios possa ser aprovada até o dia 2 de dezembro. Nesse caso, a votação se daria durante o período de esforço concentrado na Casa para a votação de sabatinas de autoridades, aproveitando o alto quórum.
Nesta quarta, foi decidido que a PEC vai tramitar na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, antes de ser encaminhada ao plenário. Esse trâmite foi uma exigência de líderes de bancada, que se opuseram ao que descrevem como "atropelar" a análise.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que a comissão vai analisar a PEC dos Precatórios no dia 24. O relator será o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
Bezerra também afirmou que existe uma "chance muito boa" de que o texto aprovado pela Câmara dos deputados seja mantido pelos senadores, evitando assim que a proposta precise ser novamente encaminhada para aquela Casa legislativa. No entanto, disse estar aberto a "aprimoramentos".