Até que ponto a tragédia do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Minas Gerais é uma tragédia anunciada, portanto evitável?
Gilberto Bercovici: Não consigo apontar categoricamente o agente que é integralmente responsável pela fatalidade. É muito cedo para afirmar sem qualquer prova contundente.
No entanto, a atividade minerária é imersa em circunstâncias que me parecem anunciar tragédias constantemente: o potencial de dano ambiental é grande, a fiscalização das operações pelo Governo Federal (por meio de sua autarquia, o Departamento Nacional de Produção Mineral) é fraca, para não dizer inexistente, os órgãos ambientais são morosos e o acompanhamento das barragens tanto pelo DNPM quanto pelos órgãos ambientais chega a ser meramente protocolar.
CC: Fala-se em uma combinação de morosidade burocrática com paradoxal aceleração da atividade exploratória quando a licença é emitida, para "compensar o tempo e a rentabilidade perdidos". O senhor concorda com essa percepção?
De fato, o processo de licenciamento ambiental é moroso (para o bem e para o mal). As etapas administrativas para obtenção da exploração da licença ambiental são muitas, complexas e exigem grande investimento por parte do minerador (pequeno se comparado a outros investimentos, como a pesquisa geológica, maquinário e aquisição do direito minerário, por exemplo).
Assim, pela lógica mercantil, o minerador tende a querer recuperar os custos que incorreu na etapa prévia à exploração com a maximização da produção desde o momento inicial da sua concessão.
No entanto, a exploração predatória, insustentável e que margeia a legalidade (quando, por exemplo, opera-se no limite da capacidade máxima produtiva – ou além dele) não pode ser admitida, sob qualquer pretexto, inclusive o econômico. Não cabe justificar a ganância das mineradoras com a “demora” dos órgãos públicos.
CC: A empresa, em vez de construir outra barragem, resolveu reforçar a existente. Isso é aceitável? O que diz a norma?
Há um quadro normativo bastante complexo em nosso país. A Lei n. 12.334/2010 estipula a política nacional de segurança de barragens, estabelecendo as diretrizes para se evitar tragédias desse tipo.
Especificamente, o DNPM já emitiu normas sobre essa matéria, como a Portaria n. 416/2012, que estipula os deveres da mineradora em informar como se dá a conservação de barragens de rejeitos. Ainda, este mesmo órgão publicou a Portaria n. 526/2013 que trata sobre o Plano de Ação de Emergência das Barragens de Mineração (PAEBM). Vê-se, portanto, que normas há, de todos os tipos.
Preocupa-me, no entanto, que tenham sido esquecidos por quem deveria zelar pelo cumprimento das obrigações dispostas em tais diplomas. No caso Samarco, questiono-me se o tal PAEBM foi elaborado de forma diligente. Se o foi, talvez tenham esquecido de mencionar em tal plano que se deveria avisar os moradores em caso de “acidente”…
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