Órgãos jurídicos do governo federal manifestaram ressalvas e orientaram o Ministério da Saúde a observar riscos inerentes e a não assinar contratos de vacinas com as farmacêuticas Pfizer e Janssen, sem que houvesse antes mudanças na legislação brasileira. Os contratos para fornecimento de 138 milhões de vacinas com a Pfizer e a Janssen seriam assinados em 19 de março.
O Estadão obteve acesso a dois pareceres técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU), a respeito dos contratos. Eles manifestam preocupações e dizem que caberia à equipe do Ministério da Saúde sopesar os riscos inerentes, as medidas para mitigá-los e a necessidade de adquirir vacinas urgentemente.
Os pareceres foram solicitados em 22 de fevereiro e foram emitidos no dia 3 de março. O Ministério da Saúde já havia acionado sua Consultoria Jurídica e apontou que havia “limitações jurídicas” para formalizar os contratos “em conformidade com a legislação brasileira”.
Segundo o relatório, o então secretário-executivo, coronel Élcio Franco, argumentou que essas limitações extrapolavam a capacidade do Ministério da Saúde em prosseguir com a negociação para contratação. Ele chegou a assinar em 9 de dezembro uma intenção de compra com a Pfizer.
Entre os problemas elencados por auditores da CGU e advogados da AGU estavam a ausência de penalidades quando há atraso na entrega das doses ou mudanças no cronograma a critério dos fornecedores e a isenção de responsabilidade das fabricantes em caso de efeitos adversos das vacinas.
A demora na aquisição de vacinas é uma das principais questões da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia. A contratação é um dos focos de investigação do relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
O governo rejeitou ofertas iniciais de farmacêuticas ainda no ano passado. O então ministro, general Eduardo Pazuello, chegou a dizer que os números apresentados nas propostas eram “pífios”. O governo ignorou uma carta da direção mundial da Pfizer com oferta inicial, datada de setembro de 2020.
Os documentos fazem parte de uma estratégia de defesa do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e sua equipe para justificar por que optaram por que não assinaram os contratos no ano passado.
À revista Veja, o ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) Fabio Wajngarten responsabilizou Pazuello pela demora na aquisição das vacinas da Pfizer. Ele eximiu de culpa o presidente Jair Bolsonaro e disse que houve "incompetência e ineficiência" no ministério. O publicitário disse que deixou o governo porque assessores de Pazuello o acusaram de lobby em favor da empresa.
Os órgãos apontam riscos de impacto financeiro ao governo, com pagamento de indenizações, em caso de efeitos adversos da vacina e processos judiciais, além de insegurança jurídica aos gestores.
Em ambos, os técnicos sugerem que seriam necessárias alterações legais para remoção de todos os obstáculos os contratos e recomendaram a assinatura posteriormente.
Parte das lacunas foi solucionada com a sanção do projeto de lei (PL) 534 de 2021, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que virou a lei 14.125 em 10 de março.
A lei autoriza a compra de vacinas por entes privados e por Estados e municípios, bem como permite que as três esferas de governo assumam os riscos referentes à responsabilidade civil previstos nos contratos em casos de eventos adversos após a vacinação.
“O presente parecer é no sentido de entender não haver óbices jurídicos intransponíveis à assinatura dos contratos de aquisição de doses da vacina contra a Covid-19 da Pfizer e Janssen, necessitando, contudo, a edição de autorização legislativa para assunção de obrigações previstas em cláusulas e disposições contratuais que não tem previsão legal e necessitam dela ou que destoam de disposições legais existentes e, por isso, devem ser excepcionalizadas”, opinou a AGU.
“De forma geral, a análise realizada apontou que, caso os contratos sejam assinados, o gestor federal estaria suscetível à ocorrência de riscos significativos, especialmente os da ordem de impacto orçamentário financeiro para o Estado brasileiro, considerando eventual majoração futura dos preços das vacinas pactuados, bem como da previsão de pagamento de indenização à empresa e seus representantes, em caso da ocorrência de ampla gama de fatores elencados”, ponderaram os auditores da CGU.
“Nesse contexto, considerando riscos de saúde pública ora vivenciados em todo o território nacional, bem como a necessidade de se ampliar os meios para combate à pandemia, como desenvolvimento de medidas para expandir a oferta e abrangência das campanhas de vacinação no Brasil, entende-se que as assinaturas dos contratos se demonstram viáveis, especialmente se as medidas mitigadoras e preventivas recomendadas forem aplicadas, com vistas a diminuir a probabilidade e impacto de ocorrência dos riscos elencados e, ante a sanção do PL 534/2021.”
Estadão//// Figueiredo