Em abril, quando o isolamento já durava um mês, a quantidade de denúncias de agressão contra a mulher deu um salto: 40% em nível nacional. Concomitantemente, a violência geriátrica quase que quintuplicou, saindo de 3 mil denúncias em março para 17 mil em abril. Os dados são do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH).
Para o Dr. Carlos André Uehara, Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia , os números “escancaram” uma realidade antiga não só no Brasil, mas no mundo. “Uma das características dessa pandemia foi o aumento de casos de violência doméstica . Muitas vezes a gente presta atenção na violência contra a mulher e contra a criança, mas o idoso também sofre. Isso só escancara uma situação que a gente já imaginava, mas que agora é comprovada com números”.
Corroborando Uehara, Carolina Ruiz, gerontóloga e diretora do Avance Centro-Dia 60+, o cenário atual têm relação direta com a desvalorização e a falta de respeito com as pessoas idosas. “Vivemos em uma sociedade que desvaloriza o velho e, quando digo velho, é tudo que é velho. É uma sociedade capitalista e a nossa importância está muito vinculada ao que a gente produz, quando o idoso para de produzir, para de trabalhar, ele para de ser interessante”, declara.
Violência contra idosos
“Fora isso, têm a falta de conhecimento de como as pessoas podem lidar e conduzir o envelhecimento do outro. A gente têm famílias que seus idosos estão envelhecendo e eles não sabem o que fazer. E é por isso que o disque 100 percebeu um aumento grande de violência contra o idoso durante a pandemia”, acrescenta ela.
No Brasil, de acordo com a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, 13 dos 32 milhões de idosos passam por algum tipo de violência. Apesar de o número ser alto, acredita-se que há uma grande subnotificação visto que as vítimas não costumam denunciar, seja por limitações físicas – o que gera a dificuldade de autoproteção -, seja por medo.
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Geralmente, segundo um balanço do MMDH, os agressores são parentes próximos das vítimas. 52,9% dos casos de violações foram cometidos pelos filhos, seguidos de netos (com 7,8%). As pessoas mais violadas são mulheres com 62,6% e homens com 32%. Das vítimas 41,5% foram declarados brancos, pardos 26,6%, pretos 9,9%, amarelos com 0,7% e indígenas 0,4%. Sendo a casa da vítima o local com maior evidência de violação, 85,6%.
Apesar de parecer simples, a violência contra a pessoa de idade têm várias camadas e não se resume à agressão. Desmistificando, essa ideia a gerontóloga Carolina declara. “A violência física é grave, mas a psicológica machuca tanto quanto a física – às vezes até mais. A física costuma ser pontual, não se justifica, mas pode nunca mais acontecer. Agora a psicológica pode gerar depressão e às vezes a pessoa pode sofrer durante muitos anos”.
Em sintonia com a gerontóloga, o Dr. Marcos Uehara explica que a violência psicológica nem sempre é praticada a partir de humilhações e xingamentos, mas de brincadeiras que recaem no etarismo – preconceito contra idosos.
“A violência começa com os pré-conceitos… e o preconceito contra o idoso a gente chama de etarismo. Muitas vezes esse preconceito está vestido de brincadeira, mas para a vítima acaba sendo um tipo de violência psicológica”, diz o presidente da SBGG.
Conheça os tipos de violência contra o idoso:
Física : agressões, beliscões, empurrões e tapas, que podem levar a lesões e até mesmo ao óbito.
Psicológica : formas variadas de menosprezo, discriminação, preconceito e humilhação, levando a pessoa à tristeza, ao sofrimento e, possívelmente, à depressão.
Abandono : privação do convívio com a família através do isolamento e da ida forçada a uma Instituição de Longa Permanência.
Abuso financeiro : apropriação dos recursos e bens por meio de intimidação, como a utilização forçada do benefício da aposentadoria sem permissão.
Negligência : descaso proposital da família, caracterizado pela omissão diante de situações de violência, maus-tratos ou abandono.
Violência sexual : práticas eróticas impostas por meio de aliciamento, como por exemplo, beijos forçados e atos sexuais não consentidos.
As violações mais constatadas são negligências (38%), violência psicológica (humilhação, hostilização, xingamentos etc) com 26,5%, seguido de abuso financeiro e econômico/violência patrimonial que envolve, por exemplo, retenção de salário e destruição de bens com 19,9% das situações. A quarta maior recorrência se refere à violência física, 12,6%. Importante frisar que, em sua maioria, as denúncias são tipificadas com mais de um tipo de violação, ou seja, uma mesma vítima pode sofrer várias dessas violações apresentadas.
Governo + Sociedade no combate
Divulgação
Violência contra idosos quase quintuplica na pandemia; psicológica é mais praticada
Na última quarta-feira (02), o MMDH realizou um evento no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), para o lançar a campanha de combate à violência financeira e patrimonial contra a pessoa idosa. Na mesma ocasião foi regulamentado o repasse de R$160 milhões às Instituições de Longa Permanência (ILPIs). A intenção dos projetos é prevenir o aumento de denúncias de violência contra o idoso durante a pandemia .
Para Uehara uma das maneiras de se combater o etarismo, além de viabilizar projetos e assistência a este nicho da população, é trabalhar na desconstrução da sociedade.
“Acho importante de ter mais recursos para ILPIs, de ter essa proteção em relação ao patrimônio, mas temos que avaliar. Temos que ter consciência desse preconceito e ir desconstruindo até o final dele, que é a violência”, analisa ele.
Corroborando Uehara, Carolina Ruiz reflete. “A gente precisa mudar essa realidade, precisamos preparar os mais jovens para entender o envelhecimento porque a cada ano teremos mais idosos e cada vez mais teremos que adaptar nossas vidas a eles”.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 13% da população tem mais de 60 anos atualmente, sendo que a partir de 2031 haverá mais idosos do que crianças e adolescentes e, em 2042, essa população alcançará o número de 57 milhões de brasileiros.
Violência contra idoso = cadeia?
Agência Pública
Unidade prisional.
De acordo com os especialistas entrevistados pelo Portal iG , um dos motivos da subnotificação de violência contra idosos é o medo por parte das vítimas em denunciar os agressores. “Às vezes o próprio idoso não quer denunciar, ele prefere ser vítima de violência do que ter o filho preso. Acho que temos que conscientizar esses idosos porque nem sempre a cadeia é o destino”, pontua o Dr. Carlos.
“O que acontece muito, principalmente, quando é violência financeira, é o acompanhamento. Por exemplo, um parente faz um empréstimo consignado sem o idoso saber, neste caso, é feita uma denúncia no Ministério Público, então o promotor pede um acompanhamento para que a pessoa devolva o dinheiro ao idoso, isso sem precisar ir para outras instâncias”.
Caso a situação seja mais grave, como em casos de agressão, o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, prevê a situação como crime e a pena prevista é de 2 meses a 1 ano de detenção. Se o resultado do crime for lesão corporal grave, a pena aumenta para 1 a 4 anos de reclusão. Se o resultado for morte, a pena é de 4 a 12 anos de cárcere. Denúncias podem ser feitas pelo disque 100, no Ministério Público ou em qualquer unidade de saúde, no Núcleo de Prevenção à Violência.
Reprodução: Último Segundo
da Redação do LD