Saúde

Casos de pacientes cujos exames deram positivo duas vezes para Covid-19 intrigam cientistas

A ciência debate se eles são realmente uma reinfecção ou se o coronavírus jamais deixou a pessoa

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Coronavírus permanece em quartos e banheiros | O TEMPO

Casos de pessoas que positivam duas vezes para o coronavírus podem ser mais comuns do que se imagina. A ciência debate se eles são realmente uma reinfecção ou se o coronavírus jamais deixou a pessoa, isto é, uma persistência. Emblemáticos desse mistério são os casos de dois indivíduos do Rio de Janeiro. São dois supostos casos de reinfecção investigados por cientistas do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ) e que podem ajudar a explicar como a pandemia se propaga.

A resposta para os casos do Rio está no genoma do vírus. Foi assim que pesquisadores de Hong Kong chegaram à conclusão que se tratava de uma provável reinfecção, e não de persistência, o caso do homem de 33 anos que contraiu o coronavírus, em março, quando teve um quadro leve de Covid-19, e depois em julho, quando não teve sintoma algum. O sequenciamento revelou que se tratavam de linhagens distintas do Sars-CoV-2, sugestivo de reinfecção.

Linhagens são como populações de um vírus, que se formam a partir da disseminação dele por uma determinada região. O homem de Hong Kong tinha na primeira infecção uma linhagem predominante no Reino Unido. Na segunda, na Espanha. Assim, foi possível concluir que poderia ser uma reinfecção, já que se tratava de linhagens diferentes.

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A cientista Rosane Silva, do IBCCF, diz que no Brasil a investigação é mais complexa porque há uma linhagem “brasileira” do Sars-CoV-2, que se tornou dominante e pode ser muito difícil de distinguir a reinfecção. O primeiro caso é o de uma pessoa de 30 anos que apresentou os sintomas em abril. Cerca de dois meses depois, os sintomas voltaram.

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O segundo caso é o de um indivíduo de 40 anos. Ele teve sintomas de Covid-19 no final de abril e novamente em julho. Os dois casos tiveram a infecção pelo coronavírus comprovada por RT-PCR (molecular) em todas as ocasiões.

— Estamos analisando a assinatura genética do vírus para saber se foi um caso de persistência ou realmente uma reinfecção — afirma Rosane Silva, que Chefe do Laboratório de Metabolismo Macromolecular e especialista em diversidade genética de vírus.

Pouca testagem dificulta mapeamento da propagação no Brasil

No Brasil, a linhagem B.1.1.33 do coronavírus é a mais frequentemente encontrada, detectada em cerca de 53% dos genomas já sequenciados no país. Em segundo lugar, está a linhagem B.1.1.28, considerada uma “linhagem brasileira” (presente em 22% dos genomas brasileiros).  Todo o problema é que elas são consideravelmente semelhantes.

Porém, se houver no segundo episódio de positivação pelo coronavírus uma diferença significativa, pode representar uma reinfecção.

Ela acrescenta que o Brasil testou muito pouco com PCR, somente em estudos pontuais e, por isso, é difícil conhecer o perfil da propagação do coronavírus em nossa população.

As cientistas analisam ainda outros genomas de Sars-CoV-2 extraídos de amostras de familiares e contatos próximos dos indivíduos. Também integrante do estudo, a professora de virologia Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus do IBCCF/UFRJ, acrescenta que os primeiros 17 genomas foram sequenciados, montados e depositados em bancos de genes internacionais, acessíveis à comunidade científica.

Ela salienta que tanto persistência quanto reinfecção não são inesperadas pelos virologistas porque vírus respiratórios fazem reinfecção frequentemente, isso é comum. 

Costumamos não perceber porque, até a pandemia de coronavírus, não se dava muita atenção a casos brandos de infecções respiratórias. Mas reinfecções acontecem com os outros coronavírus e vírus de resfriado comum. 

Porém, é importante estudar os casos de suspeita de reinfecção de Sars-CoV-2 para compreender como ele se comporta. Clarissa enfatiza que não é para se pensar que não nos livraremos nunca de uma ameaça grave: 

— Pode ser que não nos livremos do Sars-CoV-2, mas que ele fique na população como os demais coronavírus de resfriado, mais brando — frisa ela.

Ela observa que esses casos não têm correlação clínica sobre gravidade da Covid-19. Não é possível fazer qualquer relação de causa e efeito sobre a evolução da doença. O estudo é importante para investigar os mecanismos de propagação da epidemia, já que pessoas assintomáticas, mas infectadas, podem continuar a transmitir o Sars-CoV-2.

A ciência ainda não conhece todos os lugares onde o coronavírus pode se alojar no organismo humano. Por isso, os cientistas consideram que a persistência pode ser mais comum do que a reinfecção. Além disso, Clarissa explica ser mais provável que os casos das mulheres sejam uma persistência e não uma reinfecção devido ao tempo transcorrido entre os episódios, que deveria ser mais longo no caso da segunda hipótese.

O Sars-Cov-2 poderia persistir e reemergir em algumas pessoas. Outros vírus fazem isso, como o do HPV, principal causa de câncer do colo do útero e que pode permanecer por 20 anos no organismo.

A virologista Luciana Costa, diretora-adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ, cultiva vírus isolados das duas mulheres e de alguns de seus contatos. Com isso, espera descobrir o quão infeciosos eles podem ser.

— Conhecemos o Sars-CoV-2 há pouco tempo. Já descobrimos muita coisa, mas existem questões fundamentais a responder. E isso é fundamental para o controle dessa e de novas pandemias — destaca Rosane Silva.

Reprodução: O Globo

da Redação do LD