Se algum número desconhecido te enviar uma mensagem no Whatsapp se passando por um médico ou uma médica e te pedir algum depósito ou transferência em dinheiro, fique atento, porque pode ser golpe. Profissionais de saúde baianos são os novos alvos do “golpe do zap”, que já atingiu advogados, magistrados e dentistas, inclusive de outros estados, como Pernambuco, Minas Gerais e Goiás.
Os golpistas utilizam a foto do(a) médico(a), que conseguem encontrar facilmente nas redes sociais, e pedem dinheiro a familiares, amigos e conhecidos que normalmente estão nas listas de contato dessas vítimas. Pelos menos quatro números de telefone** foram identificados pela reportagem como utilizados pelos criminosos, que trocam quase diariamente as fotos de perfil. Ou seja, todos os dias eles assumem a identidade de um médico diferente. Na última sexta-feira (28), os perfis trocaram de foto cinco vezes entre 9h e 15h.
O CORREIO teve conhecimento de sete profissionais de saúde que passaram por essa situação em Salvador. Dois deles tiveram um parente que caiu na armadilha. Um deles, o pai da médica F.D.***, chegou a transferir R$ 7 mil para a conta do fraudador. Já a prima de uma outra médica também caiu na conversa e transferiu R$ 1,6 mil.
As desculpas usadas para enganar são muitas, desde a necessidade de pagar a fatura de cartão de crédito, ou troca de celular, até para pagar um suposto equipamento da clínica, como aconteceu com o cirurgião cardiovascular Ricardo Dantas no início de julho. A maioria conseguiu se esquivar da tentativa de estelionato e dois abriram queixa na delegacia, como fez Dantas. “Pediram R$ 3.900 para meu sócio, dizendo que era para comprar alguma coisa da clínica, algum equipamento. Ele foi o único que quase caiu, porque a história poderia ser verdade”, conta o cirurgião, que já tinha deixado o colega avisado, pois os golpistas entraram em contato primeiro com a esposa, a sogra e mais dois colegas de profissão. À esposa, o perfil falso pediu R$ 2 mil, alegando que tinha trocado de aparelho e que a quantia seria usada para pagar o dispositivo. No grupo da faculdade em que se formou, Dantas afirma que pelo menos 10 colegas passaram pelo mesmo. Nenhum deles caiu no golpe.
Na penúltimo final de semana de agosto, o golpista permaneceu na mesma especialidade de cirurgião vascular. Disfarçado de Dr. Eutímio Brasil, a primeira vítima foi uma paciente, que nem estava em sua lista de contatos. A desculpa foi que ele teria trocado de telefone e precisava de uma ajuda financeira. A paciente não chegou a dar trela, pois viu que a situação era estranha e confirmou a mentira com uma tia do médico.
Sem sucesso, o fraudador foi então atrás da mãe dele, para quem pediu a transferência de R$ 5 mil. Porém, ela já estava avisada pelo filho e não se deixou enganar. “Não sei como eles chegam a pessoas próximas, mas vários cirurgiões plásticos sofreram isso. Quando chegou na minha vez, eu já sabia mais ou menos o que fazer, então já deixei avisado. Só que é difícil ter controle total, porque o cara pode falar com quem quiser”, relata o cirurgião.
No sábado daquele mesmo final de semana, foi a vez de se passar pelo cirurgião geral J.M. e tentar extrair R$ 6.250 do pai dele, que também não caiu no conto. “Como ele sabe que eu não tenho esse costume de pedir dinheiro para ele, não se preocupou. É um golpe besta, que o atento não cai. Mas um desavisado ou uma pessoa mais velha que não está tão acostumada é mais difícil evitar”, disse o médico. A inquietação de J.M. é saber de onde que os golpistas conseguem a rede de contatos. “Minha maior preocupação é conseguir tirar dinheiro de alguém com meu nome e de onde ele tira o nome do meu pai e o telefone dele, porque não é clonagem”, desabafa.
Já com A. R., o fraudador insistiu e tentou se passar por ele três vezes, com três números diferentes. Só que da primeira vez, no dia 22 de julho, ele que foi a vítima, pois o golpista fingiu ser a irmã, que é neurologista. Com erros graves de português, que fez com o médico percebesse que não era a irmã, ele pediu R$ 3.225. Já no início de agosto, o golpista se passou por A.R. e tentou enganar o irmão e outros familiares.
Na última tentativa, que foi na quarta-feira passada (26), as vítimas foram pessoas desconhecidas. “Só cai no golpe quem não tem a desconfiança para me ligar. Quando tentaram comigo pelo terceiro número, foi um abuso, que fez com que eu tivesse que ir em uma delegacia”, disse o médico, que prestou queixa na delegacia da Barra. O caso de tentativa de estelionato está sendo investigado pela Polícia Civil.
O delegado João Cavadas, coordenador do Grupo Especializado de Repressão aos Crimes por Meio Eletrônicos (GME) da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), explica que o crime é uma evolução da clonagem do número de Whatsapp e que os golpistas conseguem comprar listas de contatos de forma ilícita pela dark web. “No meio virtual existe uma série de comercializações indevidas, sobretudo na dark web. Existem pessoas que fazem esses catálogos e comercializam para o cometimento dos delitos. O objetivo é obter o depósito indevido e eles perceberam que as pessoas não verificam o número, basicamente veem a fotografia do contato”, explica Cavadas.
O delegado orienta as vítimas que sofreram a tentativa de estelionato a ir à delegacia munidas dos prints das conversas com o golpista. Se houve depósito, é necessário ainda o comprovante da transferência. As investigações começam a partir do CPF da pessoa que recebeu o dinheiro, através da quebra do sigilo fiscal e bancário. Além do estelionato, os criminosos podem responder por uso indevido da imagem.
Em relação às ocorrências registradas nas delegacias, a Polícia Civil declarou que não possui estatística sobre casos dessa natureza. “Os casos de estelionato, praticados através de aplicativo de mensagens, foram registrados na 12ª DT / Itapuã e 14ª DT / Barra e estão sendo apurados pelas equipes das duas unidades. As vítimas serão ouvidas e apresentarão elementos comprobatórios para complementar as investigações. Não existe estatística com recorte relacionado ao meio utilizado para praticar o estelionato”, informou em nota.
Como o assunto é da esfera policial, o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) não quis se posicionar, mas disse ter conhecimento do golpe. A Associação Bahiana de Medicina (ABM) não respondeu à reportagem até o fechamento desta matéria.
O juiz Vinícius Simões, membro da Comissão Permanente de Segurança do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), afirma que os golpes já aconteceram com magistrados, por isso, a Comissão enviou orientações aos servidores. “A principal dica é não realizar qualquer transferência de valor sem antes entrar em contato pessoalmente ou por telefone, para a perfeita identificação do emissor da mensagem. Outro cuidado é nunca fornecer senhas e códigos. E, na hipótese de perceber que a mensagem é um golpe, fotografar as telas com as mensagens e número do emissor, registrando o ocorrido tanto no suporte do próprio aplicativo, como também registrar o boletim de ocorrência perante a autoridade policial, para que a devida investigação seja efetuada pela Polícia Civil do Estado da Bahia", esclarece.
Veja abaixo todas as orientações:
– Nunca faça transações financeiras, solicitados por mensagens de texto, antes de confirmar com o suposto autor da mensagem
– Nunca compartilhe o código de 6 dígitos do WhatsApp
– Configure, no aplicativo, para que a confirmação de senha ocorra em 2 etapas, um recurso opcional fornecido pelos aplicativos, funcionando como uma camada extra de segurança da conta
– Caso tenha sido vítima, faça a captura da imagem das mensagens e dos dados de quem enviou a mensagem (print de tela), e as encaminhe para o próprio aplicativo (suporte indicado na parte de configurações)
– Registre o boletim de ocorrência junto à Polícia Civil, com os documentos de identificação necessários (RG e CPF) e os prints da conversa
* Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro
** Caso alguma vítima que recebeu mensagem parecida queira confirmar se foi um desses números de telefone já identificados pela reportagem como autores do golpe, entre em contato por e-mail
*** Nomes foram ocultados para preservar a identidade dos médicos, que pediram anonimato
Reprodução: Correio 24 horas
da Redação do LD