Parte da cultura de festas de rua em Salvador e em tantas outras cidades do país, os eventos de paredões não pararam mesmo com os alertas de combate ao novo coronavírus. Desde o começo da pandemia até esta segunda-feira (10), mais de 44,4 mil denúncias já tinham sido registradas na capital contra essas festas. Líderes em queixas, Fazenda Grande do Retiro e Paripe somam mais de 2,3 mil ocorrências, segundo dados da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop). Coordenadora de combate à poluição sonora em Salvador, Márcia Cardim relata que estes dados também vêm revelando uma mudança comportamental. No começo dos casos na pandemia, a maior fonte das queixas eram festas em residências. Agora, são mesmo os carros com som em área pública. “A gente percebe que as pessoas estão indo para a rua, de fato. Estão colocando atividade sonora em local público”, observa ela. Ainda segundo a coordenadora, no último final de semana, as denúncias superaram as do fim de semana do São João, quando a cidade também registrou inúmeras ocorrências de eventos e queima de fogos. Foram 1,5 mil queixas entre sexta e domingo, contra 1,4 mil no período junino. Nesta operação mais recente, 12 equipamentos de som foram apreendidos.
Há oito anos, a Semop realiza a Operação Sílere, que percorre o Centro, Orla, Miolo, Cidade Baixa e Subúrbio de Salvador. Devido às restrições mais severas impostas pela prefeitura à realização de eventos, as ações de combate à atividade sonora foram intensificadas.
Márcia explica que, por decreto municipal, está proibido qualquer som em via pública, independente de índice. Se alguém é pego por um fiscal da secretaria, pode ser notificado, autuado e sofrer apreensão do aparelho de som. As multas pela poluição sonora variam de R$ 1.068 a R$ 168 mil, a depender dos decibéis.
A coordenadora esclarece que é difícil identificar os organizadores desses eventos e os fiscais acabam abordando os proprietários dos carros e dos equipamentos. “Numa abordagem, quando chegamos em área pública, seja parques, praças, em que há uma grande quantidade de pessoas bebendo, a minha equipe orienta elas a saírem do local, mas existe uma resistência por parte das pessoas, até porque estão alcoolizadas, perdem o senso”, descreve.
Nas festas de paredão, a Polícia Militar, que apoia as ações, obriga os participantes a saírem do local. “Quando a gente apreende o som, acaba a festa. Se não tem som, não tem festa”, conta ela.
Infectologista do Hospital Cárdiopulmonar, a médica Clarissa Cerqueira explica que as festas, tanto em ambientes fechados quanto na rua, são preocupantes do ponto de vista da disseminação da covid-19 porque promovem maior contato físico entre as pessoas, o que representa um alto risco de transmissão do vírus.
Além disso, eventos costumam ter comidas e bebidas, o que leva as pessoas a tirarem as máscaras para poder consumi-los. “Você está tirando uma barreira que ajuda na proteção contra a covid-19. Se você está tirando a máscara, vai colocar onde? Será que numa festa dessa tem maneira adequada de guardar essa máscara?”, ilustra. Outro problema é a questão do compartilhamento de utensílios, como copos, já que as pessoas costumam dividir bebidas.
Ônibus lotado x paredão
Doutor em Antropologia e pesquisador do pagode baiano, gênero musical mais tocado nos paredões, Tedson Souza aponta que, obviamente, o ideal seria que todo mundo pudesse se isolar contra o vírus, mas a continuidade da realização destas festas na pandemia pode estar ligada a uma falta de políticas públicas de cultura direcionada às periferias. “Muito se fala: ‘Ah, essas pessoas deveriam estar em isolamento’. Só que as pessoas da periferia não estão em isolamento a semana toda. Elas estão pegando ônibus lotados, trabalhando desde o início, não são assalariadas. Os lugares onde acontecem os paredões são locais onde a maioria da população ocupa o mercado informal. Essa é a opção de lazer do cara que não conseguiu se isolar na pandemia porque tem que sair para trabalhar todos os dias, ou no mercado informal, ou para abrir portão em prédio de classe média”, analisa.
10 BAIRROS COM MAIS DENÚNCIAS DE POLUIÇÃO SONORA EM SALVADOR:
Fonte: Semop, dados de 1 de março até 2 de agosto
1. Fazenda Grande do Retirno – 1.220
2. Paripe – 1.162
3. Pernambués – 1.083
4. Liberdade – 1.069
5. Itapuã – 1.005
6. São Marcos – 835
7. Uruguai – 824
8. Boca do Rio – 757
9. Plataforma – 706
10. Periperi – 694
Reprodução: Correio 24 horas
da Redação do LD