Republicanismos à parte, a ida de Rui Costa à Câmara de Vereadores de Salvador não deixa de ser uma provocação ao ilustre ocupante do Palácio Thomé de Souza, ACM Neto, que fica ali ao lado. De campos políticos opostos, governador e prefeito vivem uma fase de "paz e amor" como jamais vista entre ambos. O que não quer dizer que não exista espaço para batalhas por "micropoderes". A apresentação do projeto do VLT foi a desculpa perfeita para Rui ir até o "quintal" da prefeitura e, de quebra, fortalecer Geraldo Jr., um aliado de ACM Neto que se comporta como potencial adversário com olhos em 2020.
O VLT é um projeto relevante. Mas não é uma novidade. Há algum tempo é citado como uma das joias da coroa das intervenções do governo em Salvador após a implantação do sistema metroviário. E não deixa de ser uma obra cujo impacto social é grande, já que liga Simões Filho ao Comércio, passando pelo Subúrbio Ferroviário, áreas de grande densidade populacional. Porém apresentá-lo aos vereadores é um protocolo que poderia ser cumprido facilmente por um secretário ou preposto do Estado. Rui preferiu ir pessoalmente fazê-lo.
Ah, mas é uma deferência do governador à Casa onde ele nasceu politicamente para o grande público. Não deixa de ser. Entretanto, é carregado de simbolismo vê-lo na Câmara. Primeiro, passa uma ideia de humildade. Quem imaginaria um governador indo ao Legislativo municipal para, modestamente, apresentar um projeto? Bingo! Outro aspecto a se destacar é uma prova cabal de que, por mais que a capital seja administrada por um adversário, Rui não demonstra qualquer preconceito com os "representantes do povo". Tudo bem planejado. O resultado foi uma apresentação meticulosa nos detalhes e nos avisos.
Percebendo que o "inimigo" estaria no campo regular de atuação do prefeito, ACM Neto avisou aos aliados: não deveria haver qualquer situação que gerasse constrangimento ao governador. É como se soubesse que Rui chegou à Câmara com uma vantagem e reverter esse quadro poderia fazer com que o "feitiço virasse contra o feiticeiro". O prefeito é safo e não iria apostar diferente.
Rui foi cortês e não fez qualquer referência direta à prefeitura. E, nos bastidores, circulou o rumor de que o governo poderia pedir isenção de ISS para a construção do novo modal, situação inicialmente negada pelo morador do Palácio de Ondina. Nesse entrevero, foi onde residiu a tensão com a prefeitura. Como não ficou explicitada a situação por completo, essa discussão ainda vai alimentar a própria Câmara e os embates entre as bancadas – a de apoio a ACM Neto e a de Rui Costa.
Agora, independente do conteúdo da fala do petista, o maior beneficiário da cortesia do governador foi Geraldo Jr. Usou bem a ideia de republicanismo, conseguiu costurar um imaginário de total independência da prefeitura e ainda mostrou articulação para "acender uma vela para dois santos". O presidente da Câmara, que tenta se viabilizar como candidato a prefeito – ou mesmo vice – em 2020, mostrou uma capacidade de diálogo bem incomum nos dias atuais. Se esse capital político para a próxima eleição pode ser medido facilmente, isso não dá para cravar.
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