Política

Propina de R$ 4 milhões a doleiro destravou operação na Caixa, afirma dono da Gol

Constantino fechou, em 25 de fevereiro, um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal do Distrito Federal em uma das quatro ações penais

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[Propina de R$ 4 milhões a doleiro destravou operação na Caixa, afirma dono da Gol ]

O empresário Henrique Constantino, 47, um dos donos da companhia aérea Gol, disse que um financiamento de R$ 300 milhões que ele pleiteava de um fundo gerido pela Caixa Econômica Federal só foi “destravado” depois que ele pagou R$ 4 milhões em propina ao operador do MDB Lúcio Bolonha Funaro. A informação é da coluna Poder, da Folha.

Constantino fechou, em 25 de fevereiro, um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal do Distrito Federal em uma das quatro ações penais derivadas da Operação Cui Bono, que investigou empréstimos concedidos pela Caixa a diversas empresas. 

Segundo a coluna, para se livrar de uma possível condenação, Constantino aceitou fazer a delação, comprometendo-se a pagar R$ 70 milhões a título de reparação “material, imaterial (moral) e social”. Ele fez, por escrito e em vídeos gravados pelo MPF, um total de 12 declarações —12 “anexos”, dos quais apenas dois já se tornaram públicos. Um dos dez ainda cobertos por sigilo é um “anexo negativo”, ou seja, ele isentou alguém de culpa. Os nove anexos restantes ainda serão distribuídos pela Justiça para inquéritos e ações penais que estão em andamento.

Das duas acusações tornadas públicas, Constantino detalhou como fez pagamentos ao operador do MDB Lúcio Funaro, que também já fez um acordo de colaboração premiada no qual acusou Constantino de corrupção. Constantino contou que sua relação com Funaro começou em 2011, quando ele enfrentava problemas para fechar uma operação de R$ 300 milhões com um fundo de investimento administrado pela Caixa, o FI-FGTS. 

O dono da Gol era também o presidente do Conselho de Administração da Comporte Participações, controladora de uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) chamada Via Rondon —que, em 2008, venceu o leilão de concessão do trecho oeste da rodovia Marechal Rondon, em São Paulo.

A Via Rondon “fez um empréstimo-ponte junto ao banco Votorantim e depois buscou recursos de longo prazo para as obras necessárias”, como reparação de asfalto e sinalização viária, a fim de cumprir as exigências da concessão. A saída encontrada por Constantino foi obter os R$ 300 milhões no FI-FGTS por meio da aquisição de debêntures emitidas pela SPE.

A proposta foi feita em 2010 por meio da agência da Caixa de Sorocaba (SP). “Após o processo estar pronto”, porém, “a tramitação parou, ficou sem qualquer retorno sobre a demanda”, disse Constantino na sua delação.

O processo estava parado até que, no final de 2011, Constantino foi procurado por telefone pelo empresário João Jorge Chamlian, dono de uma revendedora de carros de luxo e blindados na avenida Europa, em São Paulo, a Automiami. Segundo o delator, Chamlian falou que “conhecia alguém que poderia ‘destravar’ seu processo” e o levou até a casa de Funaro, em São Paulo.

Ainda segundo a Poder, Constantino disse que Chamlian não solicitou “nada em troca desta informação e não tenho conhecimento se teve algum ganho com esta intermediação”.

O dono da Gol disse que Funaro “informou que poderia conseguir a aprovação da operação e que, para isso, seria cobrada uma vantagem indevida de R$ 8 milhões”. Constantino só aceitou pagar R$ 4 milhões. A propina seria paga a partir de notas fiscais fajutas, sem o serviço correspondente, a serem emitidas por duas empresas que Funaro indicaria, a Viscaya e a Dallas. Constantino faria os pagamentos a partir da Comporte. O processo passou a andar rapidamente na Caixa. Em janeiro de 2012, Funaro marcou um encontro com dirigentes da Caixa na gestão Dilma Rousseff (PT). A reunião “foi técnica, porém ficou claro ao depoente [Constantino] que havia um posicionamento diferente e que o processo continuaria o seu trâmite até a aprovação”.

Logo depois, em março, Constantino recebeu a carta de aprovação da operação. O fundo FI-FGTS adquiriu os R$ 300 milhões em debêntures simples da Via Rondon, tornando-se credor da concessionária. A dívida deverá ser liquidada até 2027. Os pagamentos dos R$ 4 milhões de propina foram feitos em parcelas e combinados “via mensagens eletrônicas, e-mail e aplicativos de telefone celular”, disse Constantino. Segundo o Ministério Público Federal, as análises de documentos, mensagens e as delações de Funaro e outros envolvidos mostraram que Cunha e Geddel participaram ativamente da liberação dos recursos em benefício do grupo de Constantino.

Era comum, segundo o dono da Gol, que Funaro “questionasse sobre o andamento dos pagamentos”. Em dezembro de 2012, por exemplo, Funaro indagou à secretária de Constantino por que “hoje não veio o crédito da nota número 39 da Viscaya”, conforme email apresentado pelo dono da Gol. 

“Outras vezes, eu mesmo fui questionado por Lúcio Funaro sobre os pagamentos, como pode ser comprovado pela troca de mensagens abaixo, na qual utilizamos termos como ‘passageiros’, ‘reservas’, ‘localizador’, ‘bilhetes’, ‘taxa de câmbio’ etc como metáforas aos nomes das empresas que eram utilizadas à emissão de NFs e aos pagamentos efetivos”, disse Constantino.

Procurado pela Folha, o empresário Chamlian não foi localizado. Foi deixado recado com sua secretária na Automiami. Em sua delação premiada, Funaro confirmou ter atuado para liberar os R$ 300 milhões no FI-FGTS. Disse ainda que houve uma autorização de Eduardo Cunha para que ele participasse do acerto e que o dinheiro pago por Constantino foi direcionado para a campanha eleitoral de Gabriel Chalita, que foi candidato do PMDB à Prefeitura de São Paulo. Quando essa afirmação veio à tona, em 2017, Chalita disse em nota que os recursos da sua campanha vieram do PMDB nacional, responsável pela arrecadação, e que nunca teve relação com Funaro.

Em ofício à Justiça, a Caixa pediu para entrar na ação como assistente de acusação e disse que “as investigações demonstraram que os denunciados atuaram, de forma estruturalmente ordenada, com divisão informal de tarefas, com o objetivo de obter vantagem econômica indevida paga por empresários” mediante “a prática de ilicitudes na liberação/aprovação de operações financeiras junto à Caixa”. 

O advogado de Cunha, Délio Lins e Silva, foi intimado sobre a denúncia em dezembro e pediu prazo para apresentar sua resposta à acusação, “considerando a complexidade da causa, a densidade dos autos e a presença de litisconsortes passivos com procuradores distintos”. O prazo ainda não se esgotou. O defensor de Geddel, Gamil Foppel, também pediu prazo para “elaborar a peça defensiva e analisar os requerimentos probatórios”.

Folhapress // AO