Militares venezuelanos roubando transeuntes que estão do lado brasileiro da fronteira. Tiros ao alto. Um êxodo de centenas de indígenas da etnia pemón, a maioria crianças. E até um casal de ciclistas argentinos em viagem há um ano.
Com o fechamento da fronteira entre Brasil e Venezuela, na última sexta-feira (22), as diversas trilhas ao longo da fronteira entre os dois países se transformaram em palco de violência, dramas familiares e expectativa sobre os próximos dias.
O engenheiro agrônomo deputado oposicionista venezuelano Luis Silva, 59,está em seu primeiro mandato e é filiado à Ação Democrática, tradicional partido de centro-direita. Passou dois dias com a roupa do corpo. Na volta à Venezuela, trazia duas caixas de bombom Garoto para os filhos e uma escova de dente comprada no Brasil.
Para fazer o percurso entre Santa Elena e Pacaraima, que, quando a fronteira está aberta, toma apenas 10 minutos de carro, se tornou um martírio de 5 horas, a maior parte a pé atravessando campos abertos e mato. A travessia foi feita graças a um guia pemón, etnia que habita os dois lados da fronteira.
A parte mais perigosa está no primeiro trecho, na região onde estão os postos aduaneiros, palco de dois conflitos entre manifestantes e militares venezuelanos nos últimas horas.
A trilha é do lado brasileiro e acompanha a linha divisória, marcada por bases de concreto pintadas de branco. No início da caminhada, venezuelanos que chegavam ao Brasil advertiram de que os militares do regime de Nicolás Maduro estavam atacando migrantes mesmo do lado brasileiro.
O aviso logo se confirmou. Dois militares venezuelanos começaram a correr para tentar alcançar o nosso grupo, que incluía um casal formado por uma venezuelana e um paulista. Eles estavam acompanhados por um carregador que, a duras penas, tentava puxar um carrinho com duas malas pelo lavrado (savana), a vegetação típica da região.
Moradores de São Paulo, Anderson e Aracelis de Moraes queriam chegar até Puerto Ordaz, a 620 km da fronteira, para entregar medicamentos e alimentos para a mãe da venezuelana, que tem câncer no cérebro. “São apenas para prolongar um pouco a sua vida.”
Por causa da bagagem, Anderson e o carregador ficaram para trás e foram alcançados pelos militares venezuelanos. Mesmo estando do lado brasileiro, ficaram sob a mira de fuzis e foram obrigados a entregar as duas malas no lado venezuelano.
“Os caras saíram do monte, engatilharam a arma e disseram: ‘Para, para, para, eu também sou malandro’. O cara do carrinho me pediu dinheiro e largou o carrinho e saiu correndo”, contou Anderson, esbaforido.
Depois de ser obrigado a deixar a mala na linha da fronteira, os militares correram na direção de outro transeunte. Aproveitando a distração, Anderson correu. “Saí correndo para a direção onde vocês estavam. Até que cheguei ao monte, e eles atiraram para cima de novo.”
Depois do susto e sem os medicamentos, o casal desistiu de viajar a Puerto Ordaz. Chorando muito, Aracelis não falava.
“A mãe dela não consegue um remédio que custa R$ 9 no Brasil. A minha esposa está em depressão todos esses meses, não consigo vê-la do jeito que está”, disse.
Folha/// Figueiredo