Já tentaram me matar muitas vezes, mas eu não sou morredor”, costuma dizer Renan Calheiros (MDB-AL). A eleição de Jair Bolsonaro e a onda de rejeição à velha política colocam o senador alagoano em seu mais difícil teste de sobrevivência em décadas.
Em campanha para presidir o Senado pela quinta vez, Renan tenta se realinhar ao novo eixo de poder e faz um esforço para se aproximar da agenda do presidente.
“O sentimento do MDB é de ajudar o governo e fazer as mudanças de que o país precisa. Eu só posso ser produto da indicação da minha bancada se concordar com isso”, disse o político alagoano à Folha.
Crítico mordaz das reformas econômicas do governo Michel Temer, Renan tenta amenizar suas críticas à pauta liberal para se alinhar ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
Também passou a usar as redes sociais para se adaptar aos novos tempos, fez ataques a indicações políticas para cargos públicos e até flexibilizou sua visão sobre pautas sociais.
“Quando a sociedade muda os costumes, o Parlamento tem que atualizar as leis. Muitos itens da pauta de costumes do Bolsonaro eu vou ajudar”, afirmou. Em 2005, o senador liderou a frente parlamentar que defendeu o estatuto do desarmamento.
Enquanto Rodrigo Maia (DEM-RJ) costura a adesão do partido de Bolsonaro à sua candidatura na Câmara, Renan ainda conta com a antipatia de integrantes do governo.
O senador alagoano quer derrubar essas resistências e, principalmente, convencer seus pares de que não será um elemento de conflito com o Planalto caso se eleja para comandar a Casa.
Renan se aproximou de Guedes no fim de novembro. Seu objetivo era derrubar um possível veto da equipe econômica a seu nome.
“Como eu, muitos senadores não são tão liberais. Mas nós achamos que a economia vive um estágio que precisa de mudanças”, explicou.
Então líder do MDB, o senador trabalhou em 2017 contra a aprovação da reforma trabalhista de Temer e disse que sua proposta de mudança na Previdência era “exagerada”. Agora, diz que fazia críticas “específicas”.
O alagoano apresenta como exemplos seus pacotes de corte de gastos em seu segundo ciclo na presidência do Senado, de 2013 a 2016. “Nossa convergência é a faca”, afirmou.
Renan enfrenta um desafio incomum para preservar seu poder. Enfrenta hostilidade aberta do grupo de Bolsonaro e simboliza a política tradicional rejeitada na eleição.
O alagoano já foi alvo de 18 inquéritos no Supremo Tribunal Federal e é um personagem recorrente em delações premiadas da Lava Jato. Nove casos foram arquivados. Nas últimas décadas, protagonizou crises políticas e foi alvo de protestos públicos que pediam “fora, Renan”.
“As pessoas só lembram que eu sou velho. Pelo menos deixem eu fazer uma transição entre o velho e o novo. Vou me esforçar para cumprir esse papel”, declarou.
Para aliados, Renan só conseguirá conquistar votos para se eleger se mostrar que não será fonte de conflitos com o governo. É a explicação para seu comportamento diante de senadores que não estão dispostos a enfrentar Bolsonaro.
Em conversas internas, o alagoano promete aos colegas que, se eleito, trabalhará pela independência do Congresso em relação ao Planalto. Esse ponto é considerado um aceno à oposição, que teme medidas do novo governo.
“Eu sou um batedor de continência. Eu só não bato continência quando estou na presidência do Senado. Ali, você tem que defender o seu território institucional”, disse.
Considerado um articulador habilidoso, não admite publicamente sua candidatura. Em 18 de dezembro, véspera do recesso parlamentar, entrou sorridente no plenário e apertou a mão dos colegas, um a um —até de senadores em fim de mandato, que não votarão em 1º de fevereiro.
Aliados projetam um placar de 52 votos caso a eleição seja secreta. Uma liminar do ministro Marco
Aurélio, porém, determinou que a votação seja aberta —o que afastaria parlamentares que não querem enfrentar o desgaste de votar no alagoano. O presidente do STF, Dias Toffoli, deve analisar o caso esta semana.
Renan tem vasta experiência em metamorfoses políticas. Em 1989, articulou a eleição de Fernando Collor a presidente. No ano seguinte, rompeu com o governo e chegou a depor contra o presidente na CPI que investigou o esquema PC Farias.
Em 2002, apostou em José Serra (PSDB) contra Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, apoiou a adesão do então PMDB ao governo petista e acumulou poder para se eleger presidente do Senado em 2005.
O senador alagoano também rompeu com o governo Temer em 2017. Aliou-se ao PT para se reeleger num Nordeste afinado com o lulismo. Passada a campanha, reatou com o presidente. “Não imaginava que pisaria de novo nesse palácio com você no poder”, disse, segundo um auxiliar.
Renan também se notabiliza por ser ácido com adversários. A rivalidade com Tasso Jereissati (PSDB-CE), potencial candidato ao comando do Senado, beira o que aliados chamam de “falta de civilidade”.
No fim do ano passado, Renan foi procurado por José Serra (PSDB-SP) para tentar um armistício. “Diga ao Tasso que não é civilizado ele dizer que é sério e eu sou ladrão. Se for para um debate no plenário para mostrar quem é honesto, ele não tem nem saúde para isso”, rebateu o alagoano.
Outro alvo é Lasier Martins (PSD-RS), autor do pedido para que a votação seja aberta. Nas redes sociais, Renan costuma grafar o nome do senador gaúcho com letra minúscula. “O meu iPhone tem lá uma tecla enganchada, e toda vez que vai botar o nome do Lasier, sai letra minúscula”, afirma
Embora muitos senadores acreditem que o vento sopra contra, Renan espera atravessar a tempestade. “O meu couro já ficou grosso”, disse.
Em 2007, o alagoano teve que deixar a presidência do Senado depois de ser acusado de receber ajuda financeira de lobistas, inclusive para bancar a pensão de Mônica Veloso, com quem tem uma filha. Ele foi absolvido em uma ação cível sobre o caso.
Seis anos depois, recuperou poder e voltou a se eleger para o comando da Casa, mas enfrentou protestos públicos que pediam sua renúncia.
O avanço da Lava Jato e de outros processos também minou sua força. Em 2016, Marco Aurélio mandou afastar Renan da presidência do Senado. Ele se recusou a receber o oficial de Justiça que entregaria a ordem e ignorou a decisão. Depois, o plenário do STF reverteu a medida.
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