A paralisação dos caminhoneiros em maio pode ter causado um efeito negativo duplo sobre a trajetória das contas públicas. Além de elevar os gastos, por causa das concessões feitas ao setor, houve perda de arrecadação em diferentes tributos federais e estaduais.
Estimativas preliminares indicam que mais de R$ 2,4 bilhões deixaram de entrar no caixa do setor público, em especial, do estados.
Embora a paralisação tenha ocorrido em maio, os efeitos dela sobre a arrecadação aparecem em junho porque, para a maior parte dos tributos, o fato gerador –o que dá origem ao tributo– ocorre no mês anterior ao pagamento.
Os dados definitivos de junho só serão conhecidos no fim de julho, em divulgação feita pela Receita Federal.
No entanto, os dados já disponíveis indicam que a arrecadação de tributos federais administrados pela Receita (o que exclui, por exemplo, os royaties do petróleo) caiu cerca de 0,4% em junho sobre igual mês do ano passado, já descontada a inflação, levando à primeira taxa negativa do ano.
Os estragos mais fortes ocorreram sobre o recolhimento de impostos sobre bens e serviços, o ICMS, a principal receita dos estados. O recuo deve chegar a 4,2%– o pior resultado registrado desde fevereiro de 2017.
Segundo o levantamento do Ibre/FGV, os estados nos quais a arrecadação do ICMS mais caiu estão entre aqueles com mais problemas fiscais: Rio Grande do Sul (-11,3%) e Minas Gerais (-8,1%).
O levantamento preliminar foi feito com exclusividade para a Folha pela economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Os dados federais têm como base o Siafi (sistema de acompanhamento das contas públicas em tempo real.
No caso do ICMS, os números foram obtidos no portal da transparência e cobrem cerca de 70% de tudo que é arrecadado pelos governos estaduais com o tributo.
Como já era de se esperar, os dados do Siafi apontam que a arrecadação com a Cide, a contribuição sobre combustíveis –o estopim dos protestos– despencou mais de 20% em junho sobre igual período do ano passado.
Mas seguindo uma queda de quase 11% da produção industrial em maio em relação a abril, o IPI (imposto sobre produtos industrializados) foi ainda mais afetado.
Os dados do Siafi indicam que a arrecadação com o IPI sobre fumo, por exemplo, caiu mais de 25%. No imposto sobre bebidas, o recuo foi de 24%, enquanto o volume arrecadado com o IPI sobre automóveis perdeu mais de 10%.
Nos meses anteriores a maio, o bom desempenho da produção industrial, além da venda de bens e de serviços estavam entre os principais fatores a puxar a arrecadação federal.
Em maio, o desempenho ruim de comércio e serviços explica a forte queda na arrecadação do ICMS, que vinha de dois meses de expansão significativas. Foram 4% de aumento em abril e outros 6,5% em maio.
O setor de serviços caiu 3,8% em maio sobre abril, o pior desempenho da série histórica. Já as vendas no varejo registraram, em maio, o resultado mais fraco para o mês desde 2016, em queda de 0,6%.
"A greve dos caminhoneiros causou um choque no comércio e serviços e espera-se que os impactos sejam sentidos mais no ICMS e no ISS (imposto sobre serviços)", diz Vilma Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV, ao ressaltar que outros fatores econômicos podem ter influenciado o resultado negativo.
Para o advogado especialista em tributação Eduardo Fleury, do escritório FCR Law, a arrecadação do ICMS tem uma forte dependência dos chamados preços administrados, em especial energia elétrica, combustível, fumo, bebidas e telecomunicações.
Logo, diz o advogado, a estimativa faz sentido, visto que durante duas semanas o país parou de vender combustível, de transportar carros, cigarros e bebidas.
Os maiores efeitos devem ser sentidos em estados grandes, onde mais de 30% da arrecadação vem de produtos como combustíveis e energia, afirma Fleury.
"Isso ocorre porque as alíquotas são mais elevadas para alguns desses produtos e também porque eles representam uma parte importante da atividade econômica", diz.
Em São Paulo, porém, o levantamento indica queda menos robusta, de 2,6% na receita com o ICMS em junho.
Em tempos de forte pressão do Congresso por mais gastos e também de escassez de recursos dos estados para investimentos básicos em saúde, segurança e educação, os dados preocupam, dizem economistas, em especial se não se confirmarem como fenômeno temporário.
A percepção geral, contudo, é que os efeitos dos dez dias úteis de protestos sobre a arrecadação será localizado, devendo se dissipar nos próximos meses.
Fleury diz ser provável que a recuperação nos dados de arrecadação se distribua entre os meses de julho e agosto.
Mas se junho foi ruim para a arrecadação de impostos incidentes sobre bens e serviços e também sobre produtos industrializados, alguns tributos mostraram fôlego importante no período.
O destaque foram os impostos ligados à importação.
Os dados preliminares do Ibre/FGV mostram que a arrecadação com imposto sobre importação subiu 27% em junho sobre igual período de 2017, enquanto a receita com o IPI vinculado à importação avançou 36%.
Os dados do Siafi mostram ainda que a receita com imposto de renda cobrado de residentes no exterior subiu 22%. Já o imposto de renda das empresas cresceu 10%.
Folhapress // ACJR