Política

Nova Lei de Licitações favorece família de relator

A mudança na legislação se inspira em modelo já adotado no exterior, como nos Estados Unidos e na Europa, e é um lobby do setor de seguros.

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Relator do projeto de lei que revoga a Lei de Licitações (8.666/1993) e cria uma nova norma para concorrências públicas no Brasil, o deputado federal João Arruda (MDB-PR) encampou em seu relatório regra sob medida para beneficiar conglomerado de empresas controlado por seu sogro e sua mulher.

Um dos artigos prevê que, nos casos de obras de grande vulto, será exigido de empreiteiras contratadas pelo poder público um seguro-garantia de 30% do valor inicial do contrato. Ele serve para cobrir obrigações das empresas, inclusive as multas e indenizações em caso de interrupção dos empreendimentos.

Se o texto passar, as seguradoras vão faturar mais e a tendência é de que as obras públicas encareçam -atualmente, o percentual do seguro-garantia varia de 5% a 10%.

A mudança na legislação se inspira em modelo já adotado no exterior, como nos Estados Unidos e na Europa, e é um lobby do setor de seguros.

Arruda é casado com Paola Malucelli, uma das acionistas do grupo JMalucelli, que inclui a JMalucelli Seguradora. A empresa é líder no segmento de seguro-garantia, conforme seus balanços.

As alterações na Lei de Licitações foram aprovadas pelo Senado e mantidas pelo deputado em seu relatório. Se aprovado na comissão da Câmara criada para discutir o assunto, o texto segue para o plenário da Casa. Em seguida, terá de ser apreciado de novo pelos senadores.

Uma das novidades é a cláusula de retomada. Ela prevê que, em caso de interrupção dos serviços, a seguradora de uma obra contratará, ela própria, uma construtora para continuar o contrato.

Há dúvidas sobre a efetividade do seguro-garantia. Técnicos do TCU (Tribunal de Contas da União) explicam que ele serve para cobrir danos provocados por culpa das empreiteiras. Porém, na maioria dos casos, as obras públicas param por falhas do gestor público, como falta de recursos.

Outro problema é que a regulamentação do seguro no país dificulta sua aplicação.

O fundador da JMalucelli é Joel Malucelli, sogro de Arruda e suplente do senador Álvaro Dias (Pode-PR). Ele é um dos doadores de campanha do deputado, que nega estar em conflito de interesse no caso.

A comissão da Câmara que debate as novas regras também tem forte presença do setor de construção, que tenta evitar a aprovação do seguro de 30% ou minimizar seu impacto.

Após pressões do segmento, o relator avalia acolher emenda do deputado Edmar Arruda (PSD-PR), que aumenta de R$ 100 milhões para R$ 200 milhões o valor das obras que precisarão ter a apólice.

O projeto de lei agrega, num texto só, regras das diferentes legislações sobre concorrências públicas, como as que tratam do regime diferenciado de contratação e dos pregões.

Outra novidade é o surgimento de um novo modelo de disputa, o diálogo competitivo, adotado na Europa. Ele prevê disputa de projetos, apresentados por empresas, para a elaboração do edital.

Procurado pela reportagem, João Arruda negou haver conflito de interesse ou tentativa de favorecer a JMalucelli.

"Não existe conflito porque nunca tratei com meu sogro sobre isso", afirmou, acrescentando que não tem envolvimento com as empresas dele. "Não posso abrir mão da minha função parlamentar por conta do sucesso empresarial do meu sogro".

O congressista disse ter tratado sobre assunto só com outros integrantes da JMalucelli.

Ele argumenta que seu relatório incorpora ao texto aprovado no Senado regras contrárias ao interesse das seguradoras, como a que eleva de R$ 100 milhões para R$ 200 milhões o valor das obras que terão de contratar o seguro de 30%.

O relator afirmou que doações de campanha de Joel Malucelli e de suas empresas não têm relação com sua atividade parlamentar. "Meu sogro me apoiou porque ele é pai da minha mulher".

A JMalucelli informou nunca ter feito "qualquer pedido" ao deputado. Em nota, afirmou que a condução do assunto é feita por intermédio Federação de Seguros Gerais, que vem apresentando os mesmos argumentos e reivindicações de quando o projeto de lei foi discutido no Senado.

Folhapress // ACJR